Tentativa fracassada de golpe sela o divórcio Morales-Arce na Bolívia

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Bolivia

Com veículos blindados próximos ao palácio presidencial, o presidente boliviano, Luis Arce, telefonou para Evo Morales, seu antigo parceiro, para informá-lo sobre um plano golpista em curso, porém a harmonia entre os dois líderes de esquerda logo se desfez.

Ao invés disso, a tentativa de golpe militar mal sucedida intensificou ainda mais a divisão no cenário político às vésperas das eleições de 2025, levando o país ao caos, de acordo com especialistas.

Morales mudou de atitude ao passar de celebrar o fracasso do levante militar da última quarta-feira 26 para denunciar Arce por ter realizado um "autogolpe", um gesto irônico tendo em vista que a esquerda na Bolívia e na América Latina como um todo sempre criticou os golpes militares que aconteceram na região ao longo do século XX.

Maria Teresa Zagada, analista da Universidade Mayor de San Simón (pública), notou que a impressão de que um inimigo externo poderia unir as diferentes facções do Movimento Ao Socialismo [MAS] desapareceu. Ela ressaltou que este evento evidenciou a grande divisão que será marcante nas próximas eleições.

Depois de meses sem trocarem contato - pelo menos publicamente -, Arce telefonou para Morales para avisá-lo sobre a revolta dos líderes militares, liderados pelo general Juan José Zúñiga.

Soldados e carros blindados ficaram estacionados por um longo período em frente ao palácio que conecta com a sede presidencial, localizado no coração de La Paz.

Em meio à intensa pressão, um dos veículos blindados tentou arrombar uma das portas de metal, pela qual Zúñiga acabou entrando. O líder olhou firmemente para ele na chegada, designou uma nova equipe militar de alto escalão e os militares partiram.

Zúñiga foi preso juntamente com mais 20 militares em serviço, aposentados e civis.

"Eu percebi claramente que estavam me seguindo, mas tinha convicção de que em breve iriam atrás de Evo Morales", afirmou Arce a respeito do contato com seu antigo líder, com quem atuou como ministro da Economia ao longo de seus três mandatos como presidente (2006-2019).

O antigo presidente admitiu a breve ligação telefônica.

Entretanto, de forma inesperada, quase dois dias depois da tentativa frustrada de intervenção militar, Morales questionou as verdadeiras intenções de Zúñiga em relação à queda do governo. E no último domingo foi além: "Inicialmente pensei que era um golpe, mas agora estou incerto: parece se tratar de um autogolpe".

Evo Morales, não cometa erros novamente! (…) Não se una ao fascismo que ignora o que realmente aconteceu", retrucou Arce em X rede social.

Entretanto, as incertezas não surgiram com Morales, mas sim com Zúñiga. No momento de sua prisão, o militar declarou que o presidente boliviano solicitou que ele preparasse algo para melhorar sua popularidade, algo que Arce nega categoricamente.

Segundo Carlos Cordero, especialista em ciência política da Universidade Católica Boliviana, a divisão dentro do MAS é irreparável.

Morales, o líder boliviano de ascendência indígena que ocupou o cargo de presidente por quase 14 anos devido às mudanças na constituição que implementou, foi forçado a deixar o país em 2019 após enfrentar manifestações nas ruas em meio a acusações de manipulação eleitoral em sua tentativa de conseguir um quarto mandato.

Em meio à crise, os militares solicitaram a renúncia de Morales.

Um ano mais tarde, ele voltou para a cerimônia de posse de Arce, cuja candidatura ele havia apoiado. Contudo, ao longo do tempo, os dois líderes começaram a se afastar devido a uma disputa de poder dentro do partido MAS.

O rompimento ficou evidente no término do ano passado, quando a decisão judicial impediu Morales de se candidatar em 2025, argumentando que a Carta Constitucional autoriza somente uma reeleição para dois mandatos consecutivos.

O líder nativo, que denunciou Arce de se unir aos magistrados para excluí-lo da disputa, está tentando mudar a situação, ao passo que os seguidores do governo apoiam a reeleição de Arce, que ainda não manifestou publicamente sua intenção de buscar um segundo mandato.

Sob pressão de manifestações devido à escassez de combustível e dólares, o líder da Bolívia aparentou recuperar forças com sua resposta bem recebida diante da rebelião militar, um triunfo político que Morales não abriria mão com facilidade, de acordo com especialistas.

A professora Zegada opinou que a vantagem que Arce poderia obter está diminuindo rapidamente, mas ainda estamos totalmente envolvidos na batalha de discursos sobre o que aconteceu em 26.

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