Brics cresce e países de perfil autoritário ganham vaga no grupo
A expansão do Brics com a entrada de mais seis países a partir do ano que vem ampliou levemente a participação do bloco no PIB global e deixou o grupo com um perfil mais autoritário.
A partir de janeiro de 2024, Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia devem fazer parte do bloco, que já contava com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com isso a participação do grupo no PIB global em 2022 aumentaria em 3,2 pontos percentuais, para 29,2%. O G7, que reúne potências desenvolvidas, teve uma fatia de 43,7% da economias mundial no ano passado.
Desses seis novos integrantes, apenas a Argentina não é considerada um regime autoritário pelo Índice de Democracia da The Economist Intelligence Unit (EIU), uma das referências do tema. O país vizinho é apontado como uma “democracia imperfeita”, mesmo caso do Brasil.
Na composição atual do grupo, Brasil, África do Sul e Índia são vistas como democracias imperfeitas, e Rússia e China, como regimes autoritários.
Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a escolha dos países na reunião do grupo em Joanesburgo (África do Sul) se deveu à importância geopolítica deles e não teve motivações ideológicas.
O petista deu a declaração ao responder a uma pergunta sobre o ingresso da Argentina, país às portas de um processo eleitoral em que a administração que pleiteou a entrada no Brics está sob séria ameaça de sair do poder. As principais forças da oposição argentina são contra a adesão.
“A responsabilidade que nós tomamos hoje - é isso que dá seriedade à escolha da Argentina - é que a gente não está colocando a questão ideológica dentro do Brics. Estamos colocando a importância geopolítica de cada Estado. E você sabe que a Argentina é muito importante na relação com o Brasil e com o Mercosul.”
Lula disse ainda, no encerramento da cúpula do Brics, nesta quinta (24), que a presença de líderes do Sul Global na reunião mostra que o "mundo é mais complexo que a mentalidade de Guerra Fria que alguns querem restaurar", ecoando um mantra utilizado com frequência pela China.
“Em vez de aderir à lógica da competição, que impõe alinhamentos automáticos e fomenta desconfianças, temos de fortalecer nossa colaboração", disse o petista. Ele não mencionou os Estados Unidos, mas a competição entre Washington e Pequim é tratada por analistas como uma espécie de Guerra Fria 2.0.
Também na cúpula em Joanesburgo, o líder chinês, Xi Jinping, já havia usado o termo “mentalidade da Guerra Fria” em uma crítica à formação de “grupos fechados”, referência a fóruns controlados pelo Ocidente, como o G7. Os novos integrantes do Brics com perfil autoritário têm características como processo eleitoral e pluralismo inexistentes ou muito próximo disso e liberdades civis praticamente nulas. Pelo braço de pesquisa da revista "The Economist", o Brasil tem nota 7,65 em liberdades civis (de zero a dez), enquanto Etiópia tem avaliação 1,47, o Egito, 1,76, os Emirados Árabes, 2,35, e o Irã e a Arábia Saudita, 1,47.
O Irã, por exemplo, foi marcado pelos protestos no ano passado depois que uma jovem foi presa por não usar seu hijab de maneira adequada segundo a "polícia da moralidade", força de segurança usada para impor as leis morais do país, que define que as mulheres devem cobrir seus cabelos.
As manifestações começaram com pedidos de mudança da lei de vestimentas para mulheres no país e se transformaram em grandes protestos pedindo pelo fim do sistema islâmico de 44 anos do país.
Segundo a ONG Iran Human Rights, pelo menos 537 pessoas, incluindo 48 mulheres e 68 crianças, foram mortas pelas forças de segurança iranianas nos primeiros 200 dias de protestos, iniciados em setembro de 2022. Grupos de direitos humanos estimavam que mais de 18 mil pessoas foram presas.
No caso da Arábia Saudita, relatório desta semana da ONG Human Rights Watch apontou que guardas mataram pelo menos centenas de migrantes etíopes que tentaram cruzar a fronteira entre o Iêmen e a Arábia Saudita entre março de 2022 e junho de 2023.
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, que também é primeiro-ministro, foi apontado por um relatório da inteligência dos Estados Unidos como responsável pela morte do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018. Khashoggi foi assassinado dentro da embaixada da Arábia Saudita na Turquia. Ele foi correspondente do “Washington Post” e era um crítico ferrenho do governo saudita.
A Anistia Internacional apontou que no Egito o governo libertou, às vésperas da COP27 (evento da ONU sobre mudanças climáticas em novembro do ano passado), 895 prisioneiros detidos por razões políticas, mas que, desde então, prendeu quase o triplo desse número, incluindo centenas que são suspeitos de terem convocados protestos durante a COP27.
“As autoridades reprimiram severamente os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica”, diz a ONG.
As últimas eleições para presidente, em 2018, foram marcadas por boicote da oposição, prisões de candidatos e chamadas de “grotescas” por um grupo de 14 ONGs. O presidente Abdel Fattah al-Sisi foi reeleito com 97% dos votos.
Para o Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos para ONU, em relatório de maio com base de declaração do Mena Rights (ONG baseada na Suíça), nos Emirados Árabes Unidos o aparelho de segurança do Estado foi responsável por um padrão generalizado de violações dos direitos humanos, incluindo prisões e detenções arbitrárias, desaparecimento forçado e tortura, principalmente contra críticos do governo, políticos, figuras da oposição e defensores dos direitos humanos.
O Departamento de Estado dos EUA lista uma série de violações dos diretos humanos no país, com base em uma série de “relatórios dignos de confiança”. Prisões e detenções arbitrárias; restrições graves à liberdade de expressão e dos meios de comunicação; interferência na liberdade de reunião pacífica e na liberdade de associação; incapacidade dos cidadãos de mudarem pacificamente o seu governo através de eleições livres e justas; e leis que criminalizam o sexo consensual entre pessoas de mesmo gênero são alguns dos exemplos.
A Etiópia encerrou no fim de 2022, ao menos formalmente, uma guerra civil que durou dois anos e matou dezenas de milhares de pessoas. Apesar do tratado de paz assinado no ano passado, o Human Rights Watch afirmou em relatório de julho que a limpeza étnica persistia no país. (Com agências de notícias)