Brics pode consolidar alternativa econômica, mas ninguém ganharia com polarização, dizem economistas | CNN Brasil

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, fez críticas neste sábado (30) à proposta dos países do Brics de procurar opções financeiras que não sejam o dólar.

"Requeremos que essas nações se comprometam a não estabelecer uma nova moeda do Brics e a não apoiar qualquer outra moeda que venha a substituir o forte dólar americano. Caso contrário, enfrentaram tarifas de 100% e terão que abrir mão das vendas para a extraordinária economia dos Estados Unidos", publicou o republicano em sua rede social, Truth Social.

A chamada desdolarização é uma das iniciativas defendidas pelo grupo de nações em desenvolvimento. Os representantes dessas nações analisam que a adoção generalizada do dólar americano permite que os Estados Unidos exerçam influência sobre transações globais, mesmo quando não participam delas diretamente.

A líder do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, fez críticas ao que chamou de "emprego do dólar como instrumento de pressão", durante a Cúpula dos Brics, que aconteceu neste ano em Kazan, na Rússia.

Desde a última reunião das lideranças do grupo, o Brics atualmente possui dez países membros permanentes e mais 13 na condição de associados. O Produto Interno Bruto (PIB) dos membros plenos corresponde atualmente a 31,5% de toda a riqueza gerada globalmente. Ademais, esses países abrangem 45,2% da população do planeta.

Robson Gonçalves, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), faz referência à vivência dos países europeus durante a formação da União Europeia (UE). Quando nações como Portugal, Itália, Grécia e Espanha atravessaram um período de recessão, especialmente em decorrência da crise na Grécia, ficou claro que era imprescindível uma solução de financiamento local que não estivesse atrelada aos Estados Unidos ou ao dólar.

"Era imprescindível estabelecer normas comerciais para criar um mercado unificado. Apesar das dificuldades enfrentadas, a experiência da União Europeia é considerada bem-sucedida", afirma Gonçalves, destacando que seguir um caminho alternativo não implica em competição hostil.

"[O Brics] tem o potencial de se firmar como uma opção viável. Mas por que não aproveitar as lições da União Europeia para o Sul Global? A Europa não gera polarização, mas sim coesão. O que se deve considerar é que, sob a ótica econômica, uma moeda alternativa e um fundo distinto podem ser iniciativas que promovam a união de interesses comuns, independentemente da tensão com os Estados Unidos. Ninguém se beneficiaria de uma divisão nesse contexto", finaliza.

A gestão do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) é outra das críticas mais relevantes levantadas pelos países integrantes dos Brics. Enquanto o Banco Mundial se dedica a oferecer apoio e orientação em políticas, o FMI, por sua vez, oferece ajuda financeira a nações que enfrentam desequilíbrios temporários.

Roberto Dumas, docente de economia chinesa no Insper, destaca a importância econômica do grupo, mas ressalta que sua influência é limitada pelas regras dessas instituições.

Eles provavelmente notaram que podem criar uma nova forma de governança para as decisões tomadas por essas entidades, que foram estabelecidas na tradicional Conferência de Bretton Woods, observa Dumas.

"Essas nações afirmam: 'eu tenho uma vasta extensão no planeta, mas os Estados Unidos continuam exercendo controle. Eles, em algum momento, não nos deixarão fazer escolhas, por isso, vamos criar o nosso próprio banco'. Dessa forma, o sistema financeiro está se direcionando para uma maior multipolaridade", comenta o professor do Insper.

“São nações que não têm a autoridade para impor regras, mas que reconhecem a sua importância política e econômica, almejando ter voz ativa. Aqueles que não possuem influência nas instituições de Bretton Woods estão em busca de uma nova ordem econômica. O intuito não é acabar com a que já existe, mas sim complementar. O Brasil, por sua vez, procura integrar-se a uma governança alternativa que é considerada inevitável”, finaliza Dumas.

Mudanças No Sistema Financeiro

Além de contar com seu próprio banco, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que tem como objetivo financiar seus membros, o Brics discute outras opções em relação às diretrizes definidas desde 1944.

Diante da destruição causada pela Segunda Guerra Mundial e das consequências da Crise de 1929, economistas de 44 nações se congregaram em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos, com o objetivo de reformular a estrutura do sistema financeiro global.

Os tratados estabeleceram um sistema de taxas de câmbio fixas, onde as moedas das nações estavam vinculadas ao dólar dos Estados Unidos, que, por sua vez, era sustentado por reservas em ouro.

O que se conheceu como padrão dólar-ouro permaneceu ativo até 1971, ano em que foi abolido pelo então presidente norte-americano Richard Nixon, com o intuito de salvaguardar a moeda frente à crescente demanda global pelo metal precioso. No entanto, até os dias atuais, tanto o dólar quanto o ouro continuam a ser utilizados como referência no mercado.

A finalidade do NBD é, precisamente, permitir financiamentos enquanto diminui a dependência do dólar e das instituições de Bretton Woods. Na Cúpula, Dilma Rousseff, presidenta do Banco dos Brics, fez críticas ao "uso do dólar como uma arma". Segundo ela, os Estados Unidos aproveitam-se da sua soberania na utilização da moeda nas transações internacionais para impedir o avanço das economias em desenvolvimento.

Apesar disso, uma das prioridades do Brics é buscar opções ao dólar em suas transações, bem como a possível criação de uma moeda única para o bloco. No entanto, segundo o presidente russo, Vladimir Putin, essa iniciativa ainda está em estágios iniciais.

Mesmo assim, Moscou apoia a implementação de um sistema de pagamentos para o Brics que funcione como alternativa ao Swift – o sistema convencional para transações globais. Essa medida possibilitaria ao país realizar negócios com seus aliados, contornando as sanções aplicadas por nações ocidentais após a invasão da Ucrânia, ocorrida em fevereiro de 2022.

"Com a queda do Muro de Berlim, o cenário mundial passou a ser caracterizado pela multipolaridade. Assim, surgem agrupamentos de nações que se unem com base em interesses compartilhados", destaca Robson Gonçalves, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Gonçalves enfatiza que, ao se encontrar com outras nações que possuem interesses semelhantes, o Brasil se torna mais robusto.

Na sua opinião, a principal prioridade de integração para o Brasil deveria ser com o Mercosul. No entanto, considerando especialmente o progresso do acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), o bloco “se depara com sérios problemas de inconsistência”.

"O Mercosul representa uma expectativa que não se concretizou. Portanto, segundo o economista, essa [o Brics] é uma alternativa mais eficaz para obter influência no cenário internacional."

Desde a formação do Brics, o grupo passou a ser o principal espaço para a expressão de influência no qual o Brasil desempenha um papel relevante e participa ativamente, afirma William Daldegan.

"O país tem conseguido aplicar de forma pragmática ao longo do tempo os princípios de pacifismo, universalismo e defesa do multilateralismo, que são fundamentais para sua política externa. Através do aprofundamento das relações políticas e econômicas com seus parceiros, ganha em influência ao se aliar a potências como China e Índia, além de obter vantagens nas negociações em diversos fóruns multilaterais", esclarece o professor da UFPel.

Embora haja quem desaprove a aproximação com o bloco, Roberto Dumas se mostra claro e objetivo: "é preferível estar dentro para expressar sua opinião do que permanecer do lado de fora sem influência nas decisões".

Além das nações que já receberam convites para integrar o Brics, Dumas destaca que existem outros países emergentes interessados em se unir a essa nova estrutura de governança. Na visão dele, essa participação é inevitável e afirma que o desejo dessas nações de se envolver não é “nada fora do comum”.

"O Brasil integrou o grupo devido a certas semelhanças macroeconômicas. Embora essas semelhanças já não estejam presentes, o país decidiu permanecer. Isso se deve ao fato de que é preferível fazer parte de um conjunto, mesmo que haja discordâncias, para participar e ter influência nas decisões de governança, do que ficar completamente isolado", conclui o professor do Insper.

A concepção do grupo surgiu em 2001. Inicialmente denominado “BRIC”, o termo foi criado pelo economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill, e referia-se ao Brasil, Rússia, Índia e China, na perspectiva de que esses países impulsionariam o crescimento econômico global até 2050.

A reunião, que inicialmente foi mais descontraída, foi se organizando e desenvolvendo ao longo do tempo, fortalecendo-se em torno de interesses geopolíticos e econômicos compartilhados entre seus membros.

Além das quatro nações mencionadas anteriormente, o grupo inclui África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia.

A Cúpula deste ano, que ocorreu em outubro, introduziu uma nova classificação: os Estados Colaboradores do Brics.

Foram convidados para a nova posição a Turquia, a Indonésia, a Argélia, a Bielorrússia, Cuba, a Bolívia, a Malásia, o Uzbequistão, o Cazaquistão, a Tailândia, o Vietnã, a Nigéria e Uganda.

O que começou como uma associação econômica, segundo a análise de Dumas, tem se estabelecido como um núcleo "anti-Ocidental".

Independentemente da situação, é um fato que o grupo está se esforçando para firmar essa nova administração financeira.

“Atualmente, o Brics representa o principal bloco de nações que não pertencem ao G-7. Sua relevância está ligada, por um lado, à sua composição geográfica, que abrange países do Hemisfério Sul e de diferentes continentes, e, por outro, ao seu papel econômico, por agregar as principais economias em desenvolvimento. Com um caráter marcadamente diverso e inclusivo – o que se fortalece com a recente onda de expansão”, afirma William Daldegan, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

"A importância do tema se baseia nas justificativas apresentadas pelo economista O'Neill no começo dos anos 2000, que foram complementadas pelo crescimento significativo da China e da Índia."

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