Os Estados Unidos correm o risco de perder para a China na corrida de volta à Lua; entenda | Ciência
O programa americano, por sua vez, está com o cronograma atrasado, em parte devido à falta de conclusão dos trajes espaciais e do módulo de pouso. Enquanto isso, a China se comprometeu a levar pessoas à Lua até 2030 e costuma cumprir seus prazos.
Não faz muito tempo, um cenário como esse parecia difícil de acreditar. No entanto, atualmente, tudo aponta para uma chance concreta de que a China possa superar os Estados Unidos em uma competição que, sem dúvida, os EUA estabeleceram. Assim, quem será que voltará primeiro? E, na verdade, isso tem relevância?
A missão Artemis II, prevista para o final de 2025, possui semelhanças com a Artemis I, mas, desta vez, a cápsula Órion levará quatro astronautas a bordo. No entanto, eles não realizarão um pouso. Essa etapa ficará a cargo da Artemis III. Durante essa terceira empreitada, a Nasa enviará um homem e a primeira mulher para a superfície da Lua. Embora os nomes ainda não tenham sido divulgados, um deles será a primeira pessoa de cor a pisar no solo lunar.
A missão Artemis III tinha seu lançamento agendado para este ano, porém o cronograma foi adiado diversas vezes. Uma análise realizada em dezembro de 2023 apontou uma probabilidade de um em três de que a missão não ocorra até fevereiro de 2028. No momento, a previsão é de que ela aconteça, no mínimo, em setembro de 2026.
A equipe da Artemis II, que, pela primeira vez, contará com uma mulher e um homem negro entre os astronautas que irão à Lua. — Imagem: NASA/DIVULGAÇÃO
Nesse período, o programa espacial da China aparenta progredir de forma acelerada, sem interrupções ou contratempos relevantes. Em abril de 2024, representantes do setor espacial chinês informaram que o país planejava enviar seus astronautas à Lua até o ano de 2030.
É uma jornada impressionante para uma nação que enviou seu primeiro astronauta ao espaço em 2003. A China está administrando estações espaciais desde 2011 e tem alcançado vitórias significativas e desafiadoras por meio de seu programa de exploração da Lua, conhecido como Chang'e.
Essas expedições robóticas trouxeram de volta amostras da superfície lunar, abrangendo até mesmo a face oculta da Lua. Elas avaliaram tecnologias que poderão ser decisivas para a aterrissagem de seres humanos. A próxima missão da China irá desembarcar na região do polo sul lunar, um local que desperta grande interesse devido à existência de gelo em crateras que permanecem à sombra.
Essa água poderia ser utilizada para sustentar a vida em uma base lunar e convertida em combustível para naves espaciais. A fabricação de propelentes na Lua sairia mais em conta do que transportá-los da Terra, o que tornaria a exploração lunar mais viável. Essas são algumas das razões pelas quais a Artemis III também realizará um pouso no polo sul da Lua. Em síntese, essa é a área projetada tanto para as estações comandadas pelos Estados Unidos quanto pelas China.
No dia 28 de setembro de 2024, a China apresentou uma roupa espacial que será utilizada pelos astronautas que exploram a Lua. Este traje foi desenvolvido para oferecer proteção contra as grandes variações de temperatura e a radiação solar intensa. Ele se destaca por ser leve e flexível. Será que isso indica que a China está superando os Estados Unidos em algum aspecto da corrida lunar? A empresa responsável pela confecção do traje lunar para as missões Artemis, a Axiom Space, está tendo que fazer alterações em diversos elementos do design original fornecido pela Nasa.
O módulo de descida, responsável por transportar os astronautas americanos da órbita lunar até a superfície, também enfrenta atrasos. Em 2021, a SpaceX, fundada por Elon Musk, foi contratada para desenvolver esse veículo. Ele é projetado com base no foguete Starship da SpaceX, que possui uma extensão de 50 metros e é lançado pelo foguete mais poderoso já fabricado.
No dia 13 de outubro de 2024, o Starship completou com sucesso seu quinto voo de teste. No entanto, há diversas etapas complexas a serem superadas até que seu Sistema de Pouso Humano esteja pronto para transportar astronautas até a superfície da Lua. O Starship não pode realizar um voo direto para o satélite; o foguete deve ser reabastecido na órbita terrestre, utilizando outras naves que funcionam como “tanques” de combustível. A SpaceX precisa comprovar a viabilidade do reabastecimento e efetuar um pouso de teste na Lua sem tripulação antes que a missão Artemis III possa avançar.
A câmera de um dos painéis da cápsula Orion da missão Artemis I captura uma imagem da Terra enquanto se desloca em direção à Lua. — Imagem: NASA JOHNSON/DIVULGAÇÃO
Certos críticos afirmam que o programa Artemis é extremamente complicado, mencionando a forma complexa como os astronautas e o módulo de aterrissagem na Lua serão reunidos na órbita lunar, o elevado número de parceiros comerciais que atuam de forma independente e a quantidade de lançamentos necessários do Starship. Conforme a opinião de diferentes pessoas, a estimativa varia entre quatro a 15 voos do Starship para finalizar o reabastecimento necessário para a missão Artemis III.
O ex-administrador da Nasa, Michael Griffin, apoiou uma abordagem mais direta, semelhante à estratégia que a China pretende adotar para seu pouso na Lua. Para ele, a Nasa tem se associado a empresas estabelecidas, como a Boeing, em vez de contar com novos entrantes no setor, como a SpaceX.
Porém, o que é mais simples não significa que seja, por isso, a opção superior ou a mais econômica. O programa Apollo era mais straightforward, mas teve um custo quase três vezes maior do que o Artemis. A SpaceX tem apresentado um desempenho mais eficiente e econômico em comparação à Boeing (a companhia aeroespacial que transportou os primeiros seres humanos à Lua) no que diz respeito ao envio de equipes para a Estação Espacial Internacional.
Tecnologias inovadoras não emergem de métodos simples e comprovados, mas sim através de iniciativas corajosas que ultrapassam fronteiras. O Telescópio Espacial James Webb possui uma complexidade notável, com seu espelho duplo e localização remota no espaço, permitindo que os astrônomos explorem as profundezas do Universo de maneira inigualável. A inovação se torna fundamental ao considerarmos planos futuros, como a exploração de asteroides e a formação de uma colônia em Marte.
É relevante que os primeiros seres humanos a pisarem na Lua no século XXI sejam da China ou dos Estados Unidos? Essa questão, em grande medida, diz respeito à dinâmica entre os governos e seus povos, assim como entre diferentes países.
Os governos democráticos precisam do respaldo da população para assegurar recursos financeiros para projetos dispendiosos e de longa duração – e o prestígio se torna um argumento decisivo. No entanto, a reputação em uma corrida à Lua no século XXI será alcançada através da qualidade do programa, e não apenas pelo fato de ser o primeiro a chegar. Acelerara o retorno à Lua pode envolver altos custos, tanto em termos financeiros quanto em risco à vida humana.
As nações precisam demonstrar conduta responsável. Os pilares que devem nortear suas ações são a paz, a inclusão e a sustentabilidade. Retornar à Lua não deve se tratar de poderio ou de uma demonstração de hegemonia. Ao contrário, deve ser uma oportunidade de evidenciar que somos capazes de aprimorar nosso comportamento no planeta Terra.
Jacco van Loon é docente de astrofísica na Universidade de Keele, localizada na Inglaterra.
** Este artigo foi inicialmente veiculado no site The Conversation Brasil.
O que as primeiras imagens do megamapa tridimensional do universo mostram.