A Copa do Mundo Feminina está em ótimas mãos com a Espanha ...

21 Agosto 2023

Espanha 1 x 0 Inglaterra - Melhores momentos - Final da Copa do Mundo Feminina 2023

Copa do Mundo - Figure 1
Foto globoesporte.com

A Inglaterra, que terminou vice-campeã, tem um grupo de jogadoras de alto nível, comandadas pela melhor treinadora do mundo na atualidade, e fez um torneio impecável. Até a final, quando foi surpreendida por uma Espanha que fez o jogo perfeito neste domingo: domínio técnico, tático e físico durante os 90 minutos.

Curiosidade: a Inglaterra não levou a taça mas também "conquistou o mundo". Nos seis jogos que fez até a semifinal, elas superaram rivais de seis continentes: América Central (Haiti), Europa (Dinamarca), Ásia (China), África (Nigéria), América do Sul (Colômbia) e Oceania (Austrália).

E a Espanha? Um viva para o futebol extraordinário jogado pela nova campeã do mundo. Terminou a Copa com o ataque mais positivo (18 gols) e liderando todas as estatísticas ofensivas do torneio (mais passes, finalizações, cruzamentos e cabeceios). Resultado de uma geração de craques acima da média, que ainda não tinham conseguido transformar talento em resultado. Mas o jogo começou a mudar ano passado.

Na Copa do Mundo Feminina existem duas maneiras de contar a história de uma partida, especialmente uma final: o que acontece dentro de campo e o impacto fora dele.

Em 2019, por exemplo, exaltamos a seleção dos Estados Unidos tanto pelo título conquistado como por ser porta-voz das grandes reivindicações da modalidade. A Copa terminou com a torcida gritando "Equal Pay" na arquibancada e Megan Rapinoe liderando sua equipe rumo ao tetracampeonato. Casamento perfeito.

O título da Espanha, no entanto, é fruto de um divórcio não sacramentado. Em setembro, dez meses antes do início da Copa, 15 jogadoras assinaram um manifesto contra os métodos de trabalho da seleção e pediam para não serem mais convocadas sob as condições vigentes. Reclamavam que uma geração talentosa estava ficando para trás em termos de competitividade.

Jorge Vilda comanda treino da seleção da Espanha na Copa do Mundo feminina de 2023 — Foto: REUTERS/Hannah Mckay

O protesto se personificou em torno do nome de Jorge Vilda. Era ele ou elas, tudo indicava. E entre elas estavam não só as 15 dissidentes, mas três nomes de peso que prestaram solidariedade às colegas: Irene Paredes, Jenni Hermoso e Alexia Putellas (duas vezes eleita a melhor do mundo pela Fifa e dona de duas Bolas de Ouro da France Football).

Jorge Vilda permaneceu no cargo, e com a Copa de aproximando, as três veteranas seguiram na seleção, assim como três das 15 dissidentes: Mariona Caldentey, Aitana Bonmatí (eleita neste domingo a melhor jogadora da Copa) e Olga Carmona (autora do gol do título).

Outras 12 ficaram fora da seleção, algumas talvez não fossem mesmo convocadas por opção, mas outras mantiveram sua decisão de não aceitar as condições de trabalho. Nenhuma das que voltaram, no entanto, merece ser criticada.

A Copa do Mundo é o sonho de qualquer jogadora, e para muitas o momento certo de ganhá-la só acontece uma vez. Como condená-las? Eu imagino que nem mesmo as que ficaram fora da Copa estejam fazendo isso. Este título, como frisaram após a partida as três veteranas da equipe (Alexia, Jenni e Irene), é de todas que passaram pela seleção.

Espanha vence a Inglaterra e é campeã da Copa do Mundo feminina 2023 — Foto: Carl Recine / Reuters

E Jorge Vilda? A Copa mostrou, em abundantes imagens captadas pelas lentes de fotógrafos e cinegrafistas, além de momentos testemunhados por jornalistas em treinamentos e entrevistas, que há sim um afastamento natural entre treinador e jogadoras.

Reveja o momento do apito final na decisão deste domingo: Vilda é cercado e abraçado por sua comissão técnica, próximo à linha lateral, enquanto as jogadoras celebram juntas dentro de campo, em uma das áreas. Incluindo as reservas, que estavam no banco, ao lado da celebração da comissão técnica.

Jogadoras da Espanha se aglomeram na comemoração do título mundial feminino — Foto: REUTERS/Jaimi Joy

Isso diminuiu o título mundial da Espanha? Ou faz Jorge Vilda ser "menos" campeão? Nada disso. As jogadoras espanholas tiveram a consagração que mereciam há muito tempo. Às veteranas que lutaram por tantos direitos - como viajar de avião para certas partidas ou ter um nutricionista na comissão técnica ou poder desfrutar de momentos de folga com familiares durante competições - se juntam expoentes da novíssima geração - a base vem como? -, representada pela mais jovem da equipe, a atacante Salma Paraluello. Aos 19 anos, ela é a primeira jogadora campeã da Copa, do Mundial Sub-20 e do Mundial Sub-17, algo ainda inédito no futebol masculino. Com todos os méritos, eleita a melhor jogadora jovem da Copa de 2023.

E Jorge Vilda? Amigo ou não das jogadoras, culpado ou não pelos problemas do passado, ele é o atual treinador campeão da Copa do Mundo Feminina. Dirigindo um grupo que talvez não o queria por perto, vá lá. Mas dirigindo de verdade, não apenas fazendo figuração.

Analisando estritamente o trabalho do treinador - sei que é difícil, no futebol feminino tudo importa, dentro e fora de campo -, podemos tirar ao menos três pontos decisivos de Vilda na campanha do título.

Teve coragem de bancar a entrada da goleira Cata Coll, de 22 anos, que fez sua estreia na seleção nas oitavas de final da Copa, ganhando o lugar de Misa Rodríguez; foi igualmente ousado ao apostar no fenômeno Paraluello, lhe dando vaga no time titular na decisão após vê-la brilhar saindo do banco nas quartas de final e na semifinal, e logo no lugar da atual melhor do mundo, Alexia Putellas.

O terceiro ato do campeão mundial Jorge Vilda foi a atuação da Espanha na final contra a Inglaterra. Enfrentando uma equipe tarimbada, campeã europeia e algoz da Espanha naquela campanha da Euro-2022, a Espanha de Vilda conseguiu encaixotar a adversária, dominando a decisão do início ao fim.

Parabéns, Vilda. Você sobreviveu a um princípio de motim, passou a Copa aparentemente escanteado pelas jogadoras - até no apito final da decisão - e hoje é o técnico campeão mundial feminino.

Mas se hoje a seleção da Espanha tem mais conforto e estrutura na preparação, mais liberdade nos momentos de folga e, finalmente, consegue traduzir tanto talento em resultado, então podemos dizer que, sim, o protesto das 15 dissidentes foi bem sucedido. Mesmo as que não chegaram à Copa podem se considerar partícipes dessa conquista. A campanha do título começou, por vias tortas, no manifesto de setembro do ano passado.

E a Copa do Mundo Feminina continua sendo uma competição em que importa não apenas o que acontece dentro de campo mas também o seu impacto fora dele.

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