Debate Trump x Kamala: por que confrontos diretos nos EUA são os mais importantes desde os anos 1960

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Debate Trump Kamala

Quando a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump ocuparem os palcos do estúdio da rede de televisão americana ABC News, na Filadélfia, na terça-feira (10/9), será a primeira oportunidade em que os dois candidatos à presidência se encontrarão cara a cara.

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Foto BBC Brasil

Armados apenas com papel, caneta e água, os candidatos participarão de um dos eventos mais esperados das eleições de 2024: o segundo debate televisionado da campanha. Dado que o primeiro embate prejudicou a tentativa de reeleição do presidente Joe Biden, alguns especialistas em política já consideram esta temporada eleitoral como a mais influenciada pelos debates na televisão desde a eleição de 1960.

Aquele confronto, ocorrido há 64 anos, ficou marcado na História não apenas por ter sido o pioneiro do gênero de debate político na televisão norte-americana.

O embate diante das câmeras entre um jovial, sorridente e bem maquiado John F. Kennedy e o experiente vice-presidente Richard Nixon - que apareceu resfriado, com a barba por fazer e olhar abaixo da linha da câmera - foi decisivo para a acirrada disputa a favor do democrata. "Na verdade, eu não compreendia bem (o que estava em jogo) em 1960. Eu detestava participar de programas de televisão. E eu estava completamente enganado", admitiu Nixon anos mais tarde, quando já era unânime entre os republicanos que a falta de preparo dele para o duelo televisivo com Kennedy, filho de um produtor de Hollywood, foi o que lhes custou a eleição.

"É justo afirmar que esta eleição é tão significativa quanto a de 1960 no que diz respeito aos debates. Naquele ano, a diferença foi de cem mil votos a favor do vencedor (Kennedy ganhou por 112.827 votos). Neste momento, ninguém antecipa uma margem maior do que algumas dezenas de milhares de votos, em um cenário já bastante polarizado, com uma candidata ingressando na disputa tardiamente, principalmente devido ao desempenho insatisfatório do atual presidente em um debate", declarou à BBC News Brasil Aaron Kall, diretor de Debates da Universidade de Michigan.

Mais de 51 milhões de indivíduos - o que representa um em cada seis cidadãos - acompanhou ao vivo, em junho, os eventos que definiram o futuro de Biden como o primeiro presidente em 56 anos a não buscar um novo mandato nos Estados Unidos. Durante o embate com Trump, ele hesitou, mostrou sinais de fragilidade e enfrentou dificuldades para expressar suas ideias e responder às indagações.

Seu desempenho gerou uma forte pressão entre os doadores de campanha e seus aliados democratas, levando Biden a decidir se retirar da corrida no final de julho. Apesar de o partido ter se unificado rapidamente em torno de Kamala Harris, ela teve apenas 107 dias para persuadir os eleitores de que é digna de assumir a presidência, tornando esta a campanha mais curta da história recente dos Estados Unidos.

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Foto BBC Brasil

A terceira temporada apresenta narrativas fascinantes baseadas em eventos reais.

Encerramento do Que História!

“A fórmula tradicional para conquistar votos é o envolvimento direto, dialogando individualmente, onde candidatos e voluntários vão realmente até a casa dos eleitores”, declarou à BBC News Brasil Michael Cornfield, professor de estratégias eleitorais na Universidade George Washington.

Embora recorde que historicamente os debates tendem a ter um impacto “insignificante” na obtenção de novos apoios, Cornfield admite que o encontro entre Harris e Trump é “sem precedentes”, especialmente devido à restrição na agenda de deslocamentos da democrata e por ser a primeira chance dela, diante de um público bipartidário, de “se apresentar aos eleitores, articular sua mensagem e tentar aumentar sua aceitação entre eles”.

Por esse motivo, a candidata democrata optou por não tentar modificar as regras do debate que já haviam sido acordadas entre Trump e Biden, das quais ela discorda, como o fato de que o microfone é desligado quando um oponente está falando. A equipe de Trump chegou a propor que ele poderia se retirar do debate caso houvesse alterações nas normas, uma situação que a campanha de Harris afirmou querer evitar. A candidata tem utilizado a frase "Diga isso na minha cara" ("Say it to my face", em inglês) ao responder a comentários ou críticas de Trump a seu respeito feitas a outras pessoas, como uma estratégia para desafiá-lo a participar de todos os três debates programados antes de 5 de novembro.

“Faltam menos de 60 dias para as eleições e, em alguns estados-chave, os eleitores já iniciaram a votação antecipada. Não haverá outros grandes eventos que possam atrair uma audiência tão significativa quanto o Super Bowl. Portanto, o debate se tornou extremamente importante, especialmente para que Kamala esclareça seu propósito. Não ficaria surpreso se esse debate alcançasse um número recorde de espectadores,” comenta Kall.

Procuradora E Debatedor Experiente Se Confrontam

Embora o anedotário político indique que é improvável conquistar uma quantidade significativa de votos apenas com uma boa atuação em debates televisionados, os casos de Nixon, em 1960, e Biden, em 2024, evidenciam que há muitos riscos envolvidos. Pesquisas eleitorais realizadas após o último confronto entre Trump e Biden, em junho, e antes da retirada do presidente, revelaram que o republicano chegou a obter uma vantagem de 5 pontos percentuais em estados estratégicos da eleição, como Pensilvânia e Michigan. "Harris e Trump têm muito a perder se não se saírem bem", afirma Cornfield.

De acordo com ele, as repercussões do debate se estenderão por muito além dos 90 minutos que o programa vai durar. “Os trechos cortados ecoam por vários dias, ou até semanas, nas redes sociais, influenciando a consolidação de votos ou enfraquecendo os candidatos. Por isso, observamos ambas as campanhas se esforçando intensamente para debater as regras e determinar os temas e os entrevistadores, de modo a assegurar um bom conteúdo para o período pós-debate”, afirma Cornfield.

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Foto BBC Brasil

Apesar disso, a estratégia de Harris se concentra bastante nos programas, não apenas devido à escassez de tempo para interações diretas da candidata. A comunicação entre os membros do partido democrata sugere que o embate de ideias é intrínseco à sua formação profissional. “Harris atuou como promotor e procuradora no estado da Califórnia. O debate é seu ambiente natural, era isso que ela fazia ao levar réus a tribunal”, afirmou à BBC News Brasil Thomas Whalen, analista político da Universidade de Boston.

Nos Estados Unidos, cargos como o de promotor e o de xerife são preenchidos por meio da votação popular. Em 2010, Harris alcançou a posição de promotora, o que a impulsionou a se tornar uma figura de destaque entre os democratas, com uma diferença de apenas 0,85% dos votos. Embora não fosse a candidata favorita, conforme relatou o jornal The New York Times em uma entrevista recente com os participantes daquela corrida, Harris garantiu sua vitória ao responder de maneira irônica - acompanhada de sua risada característica - à declaração de seu adversário, que afirmou desejar somar o salário de promotor à sua aposentadoria pública. "Você merece", ela respondeu. Esse momento do debate, que não foi transmitido ao vivo, se espalhou rapidamente nas redes sociais. E assim, Harris conquistou a vitória. É exatamente essa narrativa que os democratas buscam repetir.

Harris, no entanto, estará diante do palco de um debate presidencial pela primeira vez, enfrentando um concorrente que possui uma vasta experiência. Além de sua carreira como apresentador de televisão, Trump participará de seu sétimo debate – um marco na política norte-americana atual. É provável que ele a desafie com questões que geram desaprovação em relação à administração da qual ela faz parte como vice-presidente: a inflação e a crise migratória na fronteira com o México são vulnerabilidades da democrata.

"É importante também entender como ela reagirá a um adversário que distorce a verdade e provoca," afirma Whalen. Entre outras coisas, Trump já comentou que sua risada é de "maluca" e "doida", além de insinuar que seu sucesso no início da carreira política se deve a um relacionamento amoroso. A BBC Verify reporta que Trump fez várias declarações falsas sobre Biden no último debate: alegou que o democrata governava com o maior déficit da história (quando, na verdade, o pior dado é da administração Trump), acusou Biden de ser responsável pela condenação do republicano em Nova York (um processo judiciário independente do governo federal) e afirmou que ele tinha planos de quadruplicar os impostos no país (algo que Biden não fez nem prometeu). Embora em menor escala, Biden também distorceu a realidade ou apresentou dados incorretos. Para Kall, o cenário mais preocupante para Harris seria a perda da paciência diante do republicano. "Ela terá a chance de checar os fatos das afirmações de Trump, mas deve evitar transmitir ao público uma imagem de agressividade e falta de controle," explica ele.

Trump já se depara com o desafio de adaptar sua estratégia contra uma nova adversária, após ter investido grande parte dos últimos meses elaborando uma mensagem voltada para derrotar Biden. Antes mesmo que o debate televisionado expusesse as fraquezas do candidato democrata, Trump já o chamava de “Sleepy Joe”, aludindo à sua falta de vitalidade devido à sua idade (81 anos). Além disso, seus aliados republicanos intensificaram a circulação nas redes sociais de vídeos que mostravam Biden tropeçando, fazendo gestos aparentemente desconexos ou cometendo erros, para insinuar que ele apresentava traços de demência senil.

Aos 78 anos e com Biden fora da disputa, Trump agora é o alvo de indagações sobre sua saúde mental e física. Em um evento em Nova York na semana passada, ao ser questionado sobre como tornar as creches mais acessíveis e econômicas para as famílias americanas, Trump ofereceu uma explicação longa, que foi considerada "incompreensível, na melhor das hipóteses" pelo apresentador que o entrevistava no palco. Além disso, surgiram imagens em que Trump parece estar dormindo durante uma convenção republicana – sua campanha alegou que eram momentos de oração.

"É necessário observar se ele agirá com disciplina, organizando sua comunicação em torno de suas propostas, o que pode conquistar os eleitores, ou se irá ceder a brincadeiras e críticas destrutivas de adversários, algo que geralmente afasta os eleitores indecisos", comenta Kall.

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