Lula Marques/ Agência PT
O presidente Lula ao lado de militantes e ativistas LGBT+ do PT no dia em que foi eleito para o mandato atual
Nesta quarta-feira (28) é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+. A data foi escolhida porque neste dia, no ano de 1969, ocorreu uma das principais rebeliões que reivindicou os direitos LGBT+ nos EUA: a revolta de Stonewall.
Por aqui no Brasil, com o fim do mês de junho, o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa seis meses. No início de janeiro, o iG Queer produziu uma reportagem que refletiu as expectativas sobre políticas públicas voltadas para a comunidade queer na mudança do Executivo, especialmente após quatro anos de um governo de extrema direita em que seu principal representante era declaradamente LGBTfóbico. Confira a reportagem neste link.
Passado um semestre, o iG Queer volta ao tema para tratar agora do que, efetivamente, o governo Lula 3 avançou e o que precisa ainda ser melhor discutido quando se trata das pautas voltadas à comunidade LGBT+.
Dani Balbi (PCdoB), a primeira deputada transgênero da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), destaca a refundação do Ministério dos Direitos Humanos, sob o comando do ministro Silvio de Almeida, e a criação da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, chefiada por Symmy Larrat. Ela fala sobre as expectativas a partir destas duas mudanças.
“Espero que nós possamos construir mecanismos de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em extrema vulnerabilidade e entregar, após esses quatro anos, um legado de políticas públicas que comecem a considerar a necessidade de minorar as condições estruturantes das desigualdades sociais, das mulheres trans , das mulheres lésbicas , dos homens gays, e que [o ministério e a secretaria] sejam um canal de acolhimento e também o início de um processo de revisão dessa cultura LGBTQIAfóbica [brasileira]”, afirma a parlamentar.
Divulgação/Alerj
Dani Balbi (PCdoB), a primeira deputada transexual da Alerj, durante sessão na Assembleia
Vale lembrar que em seu discurso de posse, o ministro Silvio de Almeida salientou que a comunidade LGBTQIA+ seria um dos focos do novo governo Lula.
"Como primeiro ato, quero dizer o óbvio que foi negado nos últimos quatros anos: (...) pessoas lésbicas, gays, bissexuais , transexuais, travestis, intersexo e não binárias , vocês existem e são muito valiosas para nós", disse o ministro durante o discurso. "Todos e todas que têm seus direitos violados, vocês existem e são valiosas para nós. Com esse compromisso, quero ser ministro de um país que põe a vida e a dignidade em primeiro lugar".
Para Ricardo Sales, CEO da Mais Diversidade, “depois de quatro anos de incivilidade e barbárie, faz diferença voltar a ouvir palavras de apoio vindas de ministros e autoridades”. Ele acrescenta que com a mudança no Executivo, e nesse balanço dos seis primeiros meses, “a boa notícia é que o tema [LGBT+] voltou à agenda e aos discursos”.
Sales ainda ressalta as qualidades de Symmy Larrat, mas critica a falta de orçamento para a secretária trabalhar: “Ela é aguerrida, dedicada e tem lastro no movimento. No entanto, seu orçamento ainda é pequeno. Ela precisa de dinheiro para trabalhar. Isso precisa ser corrigido no próximo ano”.
O empresário completa afirmando que o presidente Lula “ainda não recebeu as lideranças LGBTQIA+” e que “a primeira-dama prioriza as trocas com influenciadores ao diálogo com movimentos sociais organizados”.
“Existe muita gente comprometida na base, mas o tema não está na agenda prioritária do governo”, enfatiza. “O evento do Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia [17/05], uma ocasião solene, aconteceu no subsolo de um ministério, um claro sinal de desprestígio com uma população que foi fundamental para a eleição de Lula. Discursos importam, mas gestos simbólicos e ações efetivas têm mais valor”, acrescenta Sales.
Para Márcia Rocha, empresária, advogada e coordenadora do projeto Transempregos, com o novo mandato de Lula, a tendência para as políticas públicas LGBT+ é de um cenário que "só pode melhorar porque pior do que estava é impossível".
“Obviamente criamos muitas expectativas. Hoje temos duas deputadas federais trans [Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT)] , e um senador gay assumido [Fabiano Contarato (PT)]. Temos algumas mudanças que vêm acontecendo, mas também com muita resistência, que aumentou nos últimos anos”, destaca a advogada.
AvançosA deputada estadual Dani Balbi chama a atenção para a necessidade de avanço no sentido da “promoção de uma cultura de inclusão de pessoas LGBTQIA+ no espaço público”, segundo seu entendimento, “como o mercado de trabalho formal, por exemplo”. Ela elenca outras medidas que acredita serem necessárias mais debate.
“Políticas de enfrentamento LGBTQIAfobia na escola, no ensino básico, e também de ingresso nas universidades, principalmente as públicas, para uma população que morre mais, que é vítima de lesbocídio, transfeminicídio e todas as formas de crime de ódio.”
Reprodução/Instagram 27.06.2023
A advogada e coordenadora do Transempregos, Márcia Rocha
A advogada Márcia Rocha conta que esteve presente na Marcha Trans , que ocorreu em 9 de junho e antecedeu a 27ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (11/06) . Ela afirma que se encontrou com duas gestoras trans, uma do Ministério da Saúde e a outra do Direitos Humanos.
“Conversei com elas que se passaram seis meses e nada de muito concreto aconteceu. Ainda é cedo, mas nós precisamos começar a cobrar os avanços”, diz a empresária que complementa com um exemplo: “Na questão da saúde integral para a população LGBT+, existe uma portaria feita no governo Dilma que foi extinta no governo Bolsonaro. Precisamos retomar isso para que todas as pessoas da comunidade possam se valer do SUS e possam exigir que o sistema as atendam”.
Dani Villar
Bandeira do Orgulho Trans estendida durante a 5ª Marcha Trans de São Paulo, em 2022
O CEO da Mais Diversidade ressalta o trabalho da Secretaria Nacional LGBTQIA+ que pretende construir um plano nacional de empregabilidade para esta população. Ele ainda diz que, para funcionar, precisa ter articulação com o meio empresarial e com toda a sociedade civil.
"Symmy conhece o caminho, pois liderou com sucesso o programa Transcidadania, em São Paulo. Mas ela precisa de orçamento e de respaldo do governo”, reforça mais uma vez Sales. “Nossa agenda é complexa e precisa entrar na ordem do dia. Não pode ser mobilizada apenas quando interessa ao governo dar um verniz de modernidade à sua gestão”.
Symmy Larrat representou o Brasil na 53ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça, no último dia 21. Na oportunidade, a integrante do Ministério dos Direitos Humanos discursou para um público composto por autoridades internacionais e reforçou a importância da pauta LGBTQIA+ dentro da nova gestão do governo brasileiro.
“O Brasil retomou sua jornada histórica de apoio à população LGBTQIA+ ao instituir, no contexto do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, uma Secretaria Nacional responsável pela pauta. Essa decisão demonstra a importância que atribuímos ao tema e nos dá a imensa responsabilidade de fazer avançar nossos direitos", disse.
A secretária ainda relembrou na reunião que o Brasil anunciou, no mês passado, o processo simplificado para o reconhecimento de refugiados LGBTQIA+.
“Quando seus corpos e modos de vida são criminalizados em outros lugares, somos um país acolhedor que recebe pessoas LGBTQIA+ com políticas e ações que promovem seus direitos."
Congresso conservadorReprodução/ TV Câmara
Deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL) proferiu falas transfóbicas em discurso na Câmara sobre o Dia Internacional da Mulher
O pleito de 2022, além de eleger um novo presidente, também trouxe novos governadores, senadores federais, deputados federais, estaduais e distritais. Com isso, um novo Congresso Nacional se formou, ainda mais conservador que o vigente durante o governo Bolsonaro.
“Há algum tempo os evangélicos entenderam que seria fácil eleger deputados simplesmente pedindo votos para os fiéis. E, de fato, isso realmente aconteceu [na última eleição]”, avalia Márcia Rocha. “Temos uma bancada religiosa muito grande hoje, especialmente evangélica, embora o Brasil seja um país majoritariamente católico. Esse grupo não preza pela ciência, mas sim pelo achismo, pela leitura deles da Bíblia, o que torna as discussões muito mais difíceis”.
A ativista trans ainda salienta que estes parlamentares querem mostrar para os eleitores deles que estão fazendo algo contra "o mal" que é a comunidade LGBTQIAPN+.
"É um discurso fake, uma falácia, mas que elege e mantém os eleitores. Isso é muito ruim, prejudicial à nossa população, à nossa luta por direitos e igualdade”, critica.
Um levantamento realizado pelo jornal O Globo identificou, em março deste ano, 68 propostas em tramitação no Congresso Nacional , estados e municípios que têm como objetivo limitar direitos da comunidade LGBTQIAP+ ou trazem proibições associadas a temas relativos ao grupo minorizado.
Mais da metade das propostas que circulam em Brasília, 17 assembleias estaduais e seis câmaras municipais, foi apresentada por integrantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e do Republicanos, ligado à Igreja Universal.
“O Congresso Nacional jamais se manifestou sobre os inúmeros casos de LGBTfobia. Só em 2022 mais de 150 pessoas trans foram assassinadas em crimes de ódio [dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais]. Por outro lado, a mesma Câmara aprovou em junho, no Mês do Orgulho, em 37 minutos, e sem passar por nenhuma comissão, uma lei que prevê punição à ‘discriminação’ de políticos’” , critica Ricardo Sales que acrescenta que o tema queer “não está na agenda de forma propositiva”.
“Tampouco, pode ser responsabilidade exclusiva dos parlamentares LGBTQIAP+ eleitos”, acrescenta ele. Segundo o VoteLGBT+, em 2022, 18 deputados da comunidade queer foram eleitos, número considerado recorde.
O CEO da Mais Diversidade ainda chama a atenção para o fato de o Congresso nunca ter aprovado uma lei pró-LGBT e que os direitos garantidos no Brasil hoje em dia foram discutidos e aprovados no Poder Judiciário.
O CEO da Mais Diversidade Ricardo Sales, 39, já atua com diversidade e inclusão há quase duas décadas.
“O período de 2011 a 2020 foi marcado por uma série de conquistas para a população LGBTQIA+. No entanto, elas vieram, todas, sem exceção, pela via do Judiciário. Tão importante quanto ter direitos reconhecidos é garantir sua efetivação. A LGBTfobia , por exemplo, foi equiparada ao crime de racismo em 2019. Porém, ainda é raro que se consiga registrar o caso como tal num boletim de ocorrência, pois há resistência de parte das forças policiais”, salienta Sales que ainda reforça que “grande parte do Brasil ainda não entende direitos LGBTQIA+ como direitos humanos fundamentais”.
Segundo dados da consultoria Walk The Talk by La Maison, 31% dos brasileiros não conhece, não se preocupa muito ou nunca ouviu falar de problemas relacionados aos direitos LGBTQIA+.
“A questão é que representamos, no mínimo, 10% da população. Temos potencial para exercer pressão. Precisamos atuar de forma mais articulada, coletiva e entender que não existe solução fora da política. É importante eleger, em todos os níveis, candidaturas comprometidas com a agenda de respeito e efetivação de direitos à comunidade LGBTQIA+”, afirma o CEO.
A coordenadora do Transempregos elenca alguns dos avanços conquistados na última década pela via do Judiciário, como explicitou Sales: “ A união estável , casamento homoafetivo, direito a adoção , a criminalização da LGBTfobia, o direito à alteração de nome e gênero em documentos para pessoas trans e o direito a doar sangue, porque bastava ser LGBT+ para que a coleta não fosse permitida, mesmo que a pessoa fosse virgem. Uma loucura!”.
“Seria importante transformar esses direitos em leis no Congresso para trazer uma segurança a mais porque se muda a configuração do Supremo [Tribunal Federal], esses direitos podem até cair”, acrescenta Márcia.
Um ambiente conservador e muitas vezes hostil às pautas LGBTs não ocorre somente no âmbito nacional. A deputada estadual Dani Balbi afirma ter sofrido ataques transfóbicos recentemente na Alerj.
“O ambiente da Assembleia ainda é extremamente conservador, uma vez que os deputados da extrema direita continuam sendo maioria expressiva do parlamento fluminense, refletindo, de certa forma, um consenso muito retrógrado da nossa sociedade”, denunciou a parlamentar. “Eu já sofri ataques que não foram endereçados a mim diretamente, mas que, debatendo um projeto meu, tinham, no teor do debate, conteúdo transfóbico”.
“É importante entender também que a transfobia não é refletida apenas pelo trato dos deputados, mas pelas pautas as quais eles foram eleitos e se propõem a representar, que são diferentes das minhas, no sentido da promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+”, acrescenta ela.
Balbi conseguiu sensibilizar a presidência da Alerj e fez com que o Palácio Tiradentes, sede da Casa, fosse iluminado com as cores da bandeira LGBT+ nesta terça-feira (27). Na data, foi realizada ainda uma sessão solene, em comemoração ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ a pedido da parlamentar e do também deputado Professor Josemar (PSOL).
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