Finados: "saudade é pior que pobreza", diz idosa em situação de rua

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Uma lona preta envelhecida, sustentada por tábuas cravadas no solo, em uma área de calçada, cobre a rotina da aposentada baiana Luzia Cavalcante, de 67 anos. “Entretanto, estar na rua não é o que mais me dói. O que é pior que a pobreza é a saudade”, desabafa.

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Foto EBC

Segurando uma vassoura, a mulher originária de Campo Alegre de Lourdes (BA) tentava limpar a poeira levantada pelos veículos que circulam rapidamente por uma estrada movimentada na Asa Norte, em Brasília.

"Eu limpo a calçada em frente à minha casa para ocupar meu tempo. Todos os anos, me preparo mentalmente para o Dia de Finados (2), que é o dia mais difícil para mim." É nesse momento que ela vai prestar homenagens nos túmulos do marido Raimundo, que morreu de câncer no esôfago há 28 anos, e do filho João, que foi assassinado aos 18 anos, em 2019.

Luzia dedicou três dias na busca por doações e empréstimos para reunir R$ 3 mil, a fim de enterrar seu filho em um cemitério de Planaltina (DF). Ela enfrentou dificuldades em pedir ajuda, pois não conseguia expressar por escrito a dor e a necessidade que estava enfrentando.

"Eu os tenho em mente constantemente. Há pessoas que nos observam nas ruas e acreditam que estamos habituados a sofrer. Mas eu nunca consegui me conformar em viver sem eles", lamentou.

Até o falecimento do jovem, eles residiam em uma moradia “simples” na cidade de Vianópolis (GO).

Brasília (DF) 01/11/2024 Luzia Cavalcante sofreu a perda do esposo e do filho. Imagem: Antônio Cruz/Agência Brasil

Contudo, a dor e "diversos fatores" resultaram na situação de vida de alguns membros da família em uma tenda na calçada. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE-DF), publicado no ano anterior, revela que o total de indivíduos que enfrentam a condição de rua nessa região é de 2.938.

O falecimento de parentes é mencionado como um dos principais fatores que fazem com que indivíduos cheguem a essa situação. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, há 236,4 mil casos em todo o Brasil.

A rotina agitada de Luzia inclui o desafio de cuidar de seus nove filhos que ainda estão com ela, dentre os quais está a mais nova, que enfrenta um quadro severo de anemia e não consegue andar. A barraca onde moram foi erguida nas proximidades do hospital público na Asa Norte, onde a adolescente de 18 anos recebe tratamento.

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Foto EBC

"Amanhã será dia de visitar o cemitério. Na segunda-feira, o compromisso é no hospital." Hoje em dia, ela vive com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), oferecido pelo governo federal, e sempre que retorna a Goiás, busca cultivar a horta na casa de alguns amigos. Ela gostaria de dedicar mais atenção aos túmulos onde estão sepultados os amores de sua vida.

Luzia desconhecia, mas no Distrito Federal, onde reside, existe a opção de sepultamento social para indivíduos em situação de vulnerabilidade. A Secretaria de Desenvolvimento Social afirma que informa sobre esse serviço ao público que realmente necessita. Para ter acesso a esse benefício, são necessários documentos oficiais, incluindo um comprovante de renda que não pode exceder 50% do salário mínimo familiar.

Como esclarece a docente de serviço social Larissa Matos, do Centro Universitário de Brasília (Ceub), indivíduos que habitam nas ruas, mesmo residindo em meios urbanos, à vista da agitação das cidades, se encontram invisíveis, tanto em relação às políticas públicas quanto à sociedade. Dessa forma, essas pessoas também são deixadas à margem em momentos de luto.

"A vulnerabilidade em que se encontram pode intensificar ainda mais as emoções relacionadas à perda e as memórias de uma fase anterior da vida", afirma a pesquisadora.

Outra baiana na cidade de Brasília, que descreve sua existência como uma "nostalgia constante", é Maria dos Santos, de 60 anos. Ela se mudou de Xique-Xique (BA) para a capital do Brasil na adolescência e relata que a morte prematura de seus pais a fez perder não apenas sua casa, mas também o sentido de seu caminho na vida.

Maria também mora debaixo de uma lona, perto de uma construção na cidade.

“Enquanto estavam vivos, cultivávamos uma pequena propriedade. Eles foram sepultados em Goiás. Não consigo ir visitá-los. Estou sem recursos para viajar. Até gostaria, mas não é possível”, desabafa.

A propósito de saudades, Sebastião de Lima, um pernambucano de 59 anos que reside sob uma lona na Asa Sul, relata que sonha frequentemente com sua mãe, que faleceu há trinta anos. “O corpo dela está sepultado em Olinda (PE). Não consigo visitar. Mas eu gostaria muito. Ela era a única que me oferecia amor na vida. Tudo se complicou depois que ela se foi.” Ele não teve continuidade nos estudos e se viu obrigado a trabalhar apenas para garantir sua sobrevivência.

Atualmente, ele se dedica à reciclagem, embora tenha dificuldades para coletar materiais manualmente. Há 20 anos, o homem teve um acidente enquanto consertava uma cerca. No ano seguinte, enfrentou o luto pela perda de um irmão e de um sobrinho de apenas 14 anos.

"Foi feita uma sepultura rasa para eles, mas está em um local distante. Eu passo o dia dos mortos apenas no meu abrigo, lamentando e fazendo orações por eles."

Brasília (DF), 01/11/2024 - O pernambucano Sebastião Lima recorda sua mãe, falecida há trinta anos. Imagem: Antônio Cruz/Agência Brasil.

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