Kat Torres: a ex-modelo e influencer brasileira condenada por tráfico humano e escravidão
Quando duas adolescentes brasileiras foram dadas como desaparecidas em setembro de 2022, suas famílias e o FBI (Bureau Federal de Investigação dos Estados Unidos) começaram uma busca desesperada para localizá-las.
A única informação que tinham era que estavam residindo nos Estados Unidos com a influenciadora brasileira Kat Torres.
No dia 28 de junho de 2024, Kat foi sentenciada a oito anos de prisão por ter submetido uma mulher a tráfico humano e situações semelhantes à escravidão.
Uma apuração está em andamento no Brasil acerca de denúncias feitas por outras mulheres contra Kat.
De que forma a antiga modelo que teve contato com Leonardo DiCaprio e foi destaque em revistas de renome internacional conseguiu atrair seus seguidores para práticas de exploração sexual?
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Encerramento das leituras sugeridas.
Ana descreveu que, desde que conheceu Kat no Instagram em 2017, ela a reconheceu como uma amiga confiável e solidária, capaz de compreender sua dor e o que estava enfrentando.
Ana não fazia parte das mulheres desaparecidas que levaram o FBI a iniciar a busca - no entanto, foi alvo da influência de Kat e desempenhou um papel crucial no salvamento destas mulheres.
Ela afirma que ficou fascinada pela jornada de Torres, desde sua infância em uma comunidade carente em Belém até seu sucesso nas principais passarelas do mundo e nas festas com famosos de Hollywood.
"Ana afirmou que já havia se recuperado de diversos relacionamentos abusivos e era exatamente isso que eu estava procurando", relatou para uma equipe de investigações da BBC Eye e da BBC News Brasil.
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Ana encontrava-se em uma posição de fragilidade. Ela relata ter vivenciado uma infância cheia de violência, ter se mudado sozinha do sul do Brasil para os Estados Unidos e ter passado por um relacionamento abusivo.
Recentemente, Kat Torres lançou um livro sobre sua vida, intitulado A Voz, no qual declara possuir habilidades premonitórias e poderes espirituais. Além disso, ela já foi convidada para participar de diversos programas de televisão no Brasil.
Ela aparecia em capas de revistas, foi fotografada ao lado de celebridades como Leonardo DiCaprio, tudo o que vi parecia autêntico", afirma ela.
Ana menciona que se sentiu especialmente interessada na forma como Torres abordou o tema da espiritualidade.
Ana não tinha conhecimento de que a narrativa motivadora que Kat compartilhava era construída sobre meias verdades e decepções.
Luzer Twersky, ator e escritor, compartilhou conosco que Kat, com quem dividia um apartamento em Nova York, passou por mudanças significativas depois de participar de rituais de ayahuasca com amigos em Hollywood.
Proveniente da região amazônica, a ayahuasca é uma bebida alucinógena reverenciada por várias religiões e grupos étnicos nativos.
"Naquele momento, ela começou a perder o domínio", afirma ele.
Twersky afirmou que também suspeitava que Kat se dedicava à prática de sugar baby, ou seja, recebendo remuneração em troca de relacionamentos afetivos com homens abastados e influentes - os quais financiavam o aluguel do apartamento que ele compartilhava com ela.
O website de Kat oferecia um serviço de assinatura e prometia aos clientes "amor, riqueza e autoconfiança dos seus sonhos".
Os vídeos dela compartilhavam dicas sobre amor, saúde, empreendedorismo e espiritualidade, abordando temas como hipnose, meditação e treinamentos físicos.
Por um acréscimo de US$ 150 (equivalente a R$ 817), os consumidores tinham a opção de marcar consultas personalizadas em vídeo com Kat, que garantia ser capaz de solucionar qualquer questão.
A ex-cliente Amanda mencionou que se sentiu valorizada por Kat.
Amanda afirma que costumava compartilhar todas as suas incertezas, perguntas e escolhas com ela primeiro, a fim de chegarem a acordos em conjunto.
No entanto, as orientações de Kat poderiam resultar em transformações drásticas.
Ana, Amanda e outras ex-seguidoras relatam que se sentiram cada vez mais afastadas emocionalmente de amigos e familiares e dispostas a seguir qualquer orientação dada por Kat.
Quando Kat convidou Ana em 2019 para se juntar a ela em Nova York e trabalhar como sua assistente, ela aceitou.
Ela frequentava um curso de Nutrição em Boston, no entanto optou por realizar as aulas online e afirmou ter aceitado uma proposta para tomar conta dos animais de estimação de Kat, cozinhar, lavar e fazer a limpeza por aproximadamente US$ 2.000 (R$ 10.900) por mês.
Ao entrar no apartamento de Kat, no entanto, ela notou imediatamente que as condições não eram tão perfeitas quanto aparentavam nas fotos do Instagram.
Ela ficou surpresa ao constatar que a casa estava extremamente desorganizada, bastante suja e com um odor desagradável.
Ana comentou que Kat parecia incapaz de realizar as tarefas mais simples, como tomar banho sozinha, pois não conseguia suportar a solidão.
Ela afirmava que precisava estar sempre disponível para Kat e só conseguia dormir algumas poucas horas de cada vez em um sofá sujo com vestígios de urina de gato.
Ela conta que, ocasionalmente, se refugiava na academia do edifício para tirar uma soneca no colchonete de treino.
Atualmente percebo que ela estava me explorando como uma serva, diz Ana.
Ela afirma que nunca recebeu remuneração.
Ela comentou que se sentiu aprisionada, como se fosse uma das primeiras pessoas a serem vítimas do tráfico humano da Kat.
Ana não queria mais morar no alojamento da universidade em Boston, então se viu sem ter para onde ir e sem dinheiro para alugar outro lugar.
Ana relata que quando confrontou Kat, ela reagiu de forma agressiva, fazendo com que Ana recordasse momentos em que sofreu violência dentro de casa.
Três meses depois, Ana conseguiu fugir e se mudou para viver com um novo parceiro.
No entanto, isso não marcou o encerramento da presença de Ana na existência de Kat.
Quando as famílias de mais duas jovens brasileiras comunicaram o sumiço delas em setembro de 2022, Ana reconheceu que era necessário intervir.
Naquela ocasião, Kat estava em matrimônio com um rapaz chamado Zach, um jovem de 21 anos que ela encontrou na Califórnia, e eles residiam em uma residência locada com cinco quartos nos arredores de Austin, no Texas.
Seguindo a mesma estratégia que utilizou com Ana, Kat mirava nas suas seguidoras mais fiéis, buscando convencê-las a se juntarem a ela em sua equipe.
Como forma de contrapartida, ela se comprometeu a auxiliá-las na consecução de seus objetivos, utilizando dados pessoais confidenciais que haviam dividido com ela durante as sessões de orientação.
Desirrê Freitas, uma cidadã brasileira que vivia na Alemanha, e Letícia Maia, também brasileira, foram as mulheres cuja ausência levou a realização da ação liderada pelo FBI. Elas decidiram se mudar para a residência de Kat.
Uma outra brasileira, a qual conhecemos como Sol, também foi selecionada.
Kat compartilhou em suas redes sociais a reunião do que ela chamou de seu grupo de amigas bruxas.
A BBC constatou que pelo menos outras quatro mulheres estiveram perto de serem persuadidas a se mudarem para a residência de Kat, porém acabaram desistindo.
Algumas das entrevistadas mulheres demonstraram preocupação em participar de um documentário da BBC, receosas de possíveis ataques virtuais e ainda abaladas por suas experiências passadas.
No entanto, pudemos confirmar suas alegações por meio de documentos legais, mensagens de texto, registros financeiros e um livro de Desirrê sobre suas vivências, intitulado @Buscando Desirrê, lançado pela DISRUPTalks (2023).
Desirrê relata que, em sua situação, Kat adquiriu uma passagem aérea para que ela deixasse a Alemanha e fosse ao seu encontro, mencionando pensamentos de suicídio e solicitando auxílio.
Kat também foi acusada de persuadir Letícia, que tinha 14 anos quando começou as sessões de treinamento com ela, a se deslocar para os Estados Unidos para um programa de au pair (babá que reside na casa da família atendida) e posteriormente viver e trabalhar com ela.
Em relação ao Sol, ela menciona que aceitou mudar-se para a casa de Kat depois de ficar sem moradia e que foi contratada para realizar consultas de tarô e ministrar aulas de ioga.
Não demorou muito para que as mulheres percebessem que a vida não era tão encantadora quanto o conto de fadas que lhes vendiam.
Em questão de semanas, Desirrê afirma que Kat a forçou a ingressar em um clube de striptease e ameaçou que, se ela não obedecesse, teria que reembolsar todo o dinheiro investido em bilhetes de avião, alojamento, mobília para seu quarto e até mesmo em supostos rituais de "bruxaria" realizados por Kat.
Desirrê afirmou que, além de não possuir tal quantia, também acreditava anteriormente nos poderes sobrenaturais que Kat afirmava possuir. Por conseguinte, quando Kat a ameaçou de lançar-lhe uma maldição por não obedecer às suas ordens, ela ficou apavorada.
Contra sua vontade, Desirrê acabou aceitando se empregar como dançarina em uma boate.
Um dos dirigentes do clube de striptease, chamado James, relatou para a BBC que ela se dedicava intensamente ao trabalho, cumprindo longas jornadas diárias, durante os sete dias da semana.
Desirrê e Sol afirmam que as mulheres que moravam na residência de Kat em Austin eram obrigadas a seguir normas bastante restritas.
Elas alegam que foram impedidas de se comunicar entre si, tinham que pedir permissão a Kat para sair de seus aposentos - até mesmo para ir ao banheiro - e foram obrigadas a entregar todo o dinheiro que recebiam.
"Escapar daquela situação era complicado, pois ela retinha o nosso dinheiro", afirmou Sol em entrevista à BBC.
Foi bastante amedrontador. Pensei que algo ruim poderia ocorrer comigo porque ela possuía todos os meus dados, incluindo meu passaporte e minha CNH.
No entanto, Sol afirmou que notou a necessidade de escapar ao ouvir uma ligação telefônica na qual Kat sugeria a outra cliente que ela deveria atuar como garota de programa no Brasil como forma de "punição".
Com auxílio de um antigo namorado, Sol conseguiu escapar.
Nesse meio tempo, as armas que o esposo de Kat mantinha em casa passaram a ser frequentemente exibidas em posts do Instagram, gerando temor entre as mulheres.
Naquele momento, Desirrê relembra que Kat tentou persuadi-la a abandonar o clube de strip e se prostituir. Ela afirma que recusou a proposta e, no dia seguinte, Kat a surpreendeu levando-a para um campo de tiro.
Assustada, Desirrê revela que acabou concordando com o pedido de Kat.
Desirrê registrou em sua obra que diversas dúvidas a atormentavam, como: "Será que eu teria a possibilidade de interromper a qualquer momento?"
E se o preservativo rompesse, eu poderia contrair alguma infecção? Será que [o cliente] é um agente à paisana e iria me prender? E se ele cometesse um ato violento contra mim?
Dizem que as mulheres que não atingissem as metas de faturamento determinadas por Kat, que aumentaram de US$ 1 mil (R$ 5,45 mil) para US$ 3 mil (R$ 16,35 mil) por dia, não podiam retornar para suas casas naquela noite.
"Já tive que passar a noite ao relento diversas vezes por não atingir o meu objetivo", afirma Desirrê.
Informações financeiras encontradas pela BBC demonstram que Desirrê fez transferências superiores a US$ 21.000 (equivalente a R$ 114,5 mil) para a conta de Kat somente nos meses de junho e julho de 2022.
Ela afirma que foi coagida a entregar uma quantia ainda maior em dinheiro.
A prática da prostituição é proibida no Texas e, segundo Desirrê, Kat a ameaçou ao dizer que iria denunciá-la às autoridades caso ela pensasse em desistir.
No mês de setembro, parentes e amigos de Desirrê e Letícia no Brasil mobilizaram-se nas redes sociais com o objetivo de localizá-las, uma vez que havia se passado muito tempo sem notícias das duas.
Nesse momento, elas estavam quase impossíveis de serem reconhecidas. Seus cabelos castanhos foram clareados para um tom loiro platinado para combinarem com os de Kat.
Desiree declara que, durante esse tempo, teve todos os seus números de telefone bloqueados e que ela seguiu as instruções de Kat sem hesitar.
Conforme o perfil do Instagram @SearchingDesirrê ia crescendo em popularidade, a narrativa chegou aos veículos de comunicação do Brasil.
Os amigos de Desirrê estavam receosos de que ela tivesse sido vítima de um crime violento, enquanto a família de Letícia implorava desesperadamente para que as duas retornassem ao lar.
Ana, que dividia a casa com Kat em 2019, afirmou ter ficado preocupada assim que soube das notícias. Ela percebeu imediatamente que Kat estava mantendo outras garotas sob seu domínio.
Ana se juntou a ex-clientes para entrar em contato com várias agências de segurança, como o FBI, na esperança de capturar a influenciadora.
Há cinco meses atrás, ela e Sol reportaram Torres para as autoridades americanas - no entanto, afirmam que não foram levadas a sério.
Em um vídeo que Ana gravou como evidência naquela época e compartilhou com a BBC, ela é ouvida dizendo: "Essa pessoa é extremamente perigosa e já fez ameaças de me matar".
Depois, foram encontrados os perfis das mulheres desaparecidas em páginas de acompanhantes e prostituição. As suspeitas de exploração sexual, que se espalhavam nas redes sociais, pareciam ser verdadeiras.
Assustadas com a pressão da imprensa, Kat e suas companheiras percorreram uma distância superior a 3 mil quilômetros, indo do Texas até Maine.
Nos vídeos publicados no Instagram, Desirrê e Letícia negaram estar ali de forma involuntária e solicitaram que as pessoas interrompessem a busca por elas.
Uma nova gravação capturada pela BBC revela a verdadeira situação que ocorria naquele instante.
As autoridades americanas estavam vigiando o grupo e um oficial conseguiu se comunicar com Kat via videochamada para verificar a situação das mulheres.
Instantes antes de começar a conversa, Kat menciona no vídeo:
Ele vai começar a interrogar. Pô, eles são espertinhos. Ele é um investigador, fique atento. Pelo amor de Deus, vou repreender se alguém falar algo. Vou soltar um grito.
No mês de novembro de 2022, as autoridades policiais persuadiram Kat e mais duas mulheres a se apresentarem pessoalmente em uma delegacia localizada no Condado de Franklin, no estado de Maine.
O detetive David Davol, responsável pelo interrogatório de Kat, Desirrê e Letícia, afirmou à BBC que ele e os seus colegas ficaram apreensivos ao identificar diversos indícios, como a falta de confiança das mulheres nos policiais, o comportamento reservado e a relutância em falar sem a autorização de Kat.
Os envolvidos no tráfico de pessoas muitas vezes não se apresentam como nos filmes, onde há uma gangue que sequestra indivíduos. Geralmente, trata-se de alguém em quem se deposita confiança.
Em dezembro de 2022, as duas senhoras tinham regressado ao Brasil em segurança.
De acordo com a ONU, a exploração de seres humanos é um dos delitos em ascensão global, resultando em aproximadamente US$ 150 bilhões (R$ 817 bilhões) em ganhos anuais em todo o mundo.
Ele acredita que as redes sociais proporcionam um ambiente para que traficantes localizem e atraiam vítimas.
No mês de abril atual, nosso time obteve autorização judicial para realizar uma entrevista com Kat na penitenciária - sendo esta a primeira vez que ela concede uma entrevista presencial desde que foi detida.
Naquele momento, Kat ainda esperava pela decisão do tribunal sobre o caso de Desirrê.
Com um sorriso no rosto, Kat se aproximou de nós demonstrando tranquilidade e serenidade.
Ela afirmou sua total inocência, negando ter convivido com qualquer mulher ou ter obrigado alguém a se prostituir.
"Eu não consegui me segurar e soltei risadas uma após a outra diante de tantas mentiras que ouvi. Ficou evidente para todos na sala que as testemunhas estavam falando inverdades", declarou.
As pessoas me rotulam como uma charlatã, no entanto, também alertam: ela é extremamente perigosa. Fique atento(a) a ela, pois tem o poder de influenciar o pensamento das pessoas.
Ao ser confrontada com as evidências que presenciamos, ela mostrou-se mais agressiva, acusando-nos de também sermos desonestos.
"É sua prerrogativa me enxergar como Katiuscia, Kat, divindade ou qualquer outra coisa. Decida se quer seguir meu conselho ou não, a escolha é exclusivamente sua", declarou.
Quando se levantou para retornar à sua cela, ela insinuou que em breve saberíamos se ela possuía habilidades sobrenaturais. Em seguida, apontou para mim e declarou: "Não simpatizei com ela".
No dia 28 de junho, Kat recebeu uma sentença de oito anos de prisão do juiz Marcelo Luzio Marques Araújo, da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro, por ter submetido Desirrê a tráfico humano e situações semelhantes à escravidão.
O magistrado determinou que Kat trouxe a jovem para os Estados Unidos com o propósito de explorá-la sexualmente.
Mais de vinte mulheres afirmaram ter sido ludibriadas ou exploradas por Kat - várias delas compartilharam suas vivências com a BBC.
Alguns ainda estão em acompanhamento psicológico para superarem o que afirmam ter vivido em suas interações com Kat.
Rodrigo Menezes, o representante legal de Kat, informou à BBC que entrou com um recurso contra a sentença e reafirma a inocência dela.
Uma investigação está em andamento no Brasil, sendo baseada em acusações feitas por outras mulheres contra Kat.
Ana está convencida de que mais pessoas podem vir a público como vítimas depois de tomarem conhecimento dos crimes de Kat. Foi a primeira vez que Ana se pronunciou em público.
Ela afirma que pretende conscientizar as pessoas de que as atitudes de Kat são consideradas um delito sério, e não apenas um "espetáculo no Instagram".
No desfecho de sua obra, Desirrê também pondera sobre suas vivências.
"Ainda não me encontro completamente restabelecida, vivi um ano cheio de desafios. Sofri abusos sexuais, fui subjugada e detida. Espero que minha experiência possa ser um aviso para outros."