Flup leva ABL à periferia e reposiciona Machado de Assis como ...

13 Maio 2023
Machado de Assis

A Academia Brasileira de Letras precisa subir o morro da favela, segundo defende a Festa Literária das Periferias, e é exatamente isso que está prestes a fazer —na figura de Gilberto Gil.

O tropicalista baiano é uma das principais atrações da abertura do evento carioca, que chega a sua 13ª edição na simbólica data de 13 de maio, dia que não só marca a assinatura da abolição, mas o nascimento de Lima Barreto, um dos pais da literatura negra.

Mais uma vez, Gil atua para transformar as velhas formas do viver. Eleito imortal há um ano e meio, ele participa com a escritora Eliana Alves Cruz e o ator Haroldo Costa de uma mesa chamada "Quem me deu régua e compasso".

Um dos apelidos da ABL, que hoje tem dois negros ocupando suas 40 cadeiras, é "Casa de Machado", tamanha foi a atuação do autor de "Dom Casmurro" em sua criação. Machado de Assis era negro, como tem sido reivindicado pelos movimentos sociais, mas a Flup quer posicionar o escritor também como "cria da favela".

"Muitos temos uma memória dos livros dele, na escola, como uma leitura difícil, com palavras rebuscadas que nos distanciavam", afirma Dani Salles, porta-voz do evento carioca. "Nesta edição, chamamos atenção para o lugar de nascimento dele, na ladeira do Livramento, para que ele seja reconhecido como um cara preto nascido na favela."

Ou seja, a ideia é tirar a Academia Brasileira de Letras do pedestal pelo qual ela é tão criticada levando um de seus membros mais ilustres para o local de onde veio seu fundador. Um gesto simbólico que, segundo Salles, tem relevância fundamental na formação de novos leitores e escritores.

"Esse reposicionamento do Machado é para as próximas gerações se inspirarem nele não como um branco da zona sul, mas como um preto de olhar nobre e intelectualizado."

A Flup tem um histórico de propor reflexão sobre a literatura aproximando territórios e pessoas que podem parecer opostos —e justamente demolindo qualquer ideia de antagonismo entre eles. Na primeira edição do evento, o paraibano Ariano Suassuna subiu o morro dos Prazeres tão cantado por Toninho Geraes.

"Conectando esses históricos, você potencializa o escritor que está dentro da favela e não se reconhece nesse projeto literário. Aproxima as referências dessa pessoa."

Salles tem consciência de que Machado omitia sua ligação com a negritude durante a vida, o que não impede, em absoluto, que novas gerações de negros e negras o reconheçam como seu par de maneira que ele, talvez, não tenha podido fazer pelo contexto da época.

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Isso faz parte de uma intenção maior, segundo a organização do evento, de reverenciar os "pretos velhos" num final de semana em que todo mundo se lembra de suas mães, no domingo, e do episódio que marcou no papel o fim da escravidão, no sábado.

Haverá então uma homenagem à Mãe Beata de Iemanjá, mediada pela jornalista Flávia Oliveira no começo da tarde, logo depois de apresentações do afoxé Filhos de Gandhy e do bloco Prata Preta, duas representações marcantes da cultura negra.

O aniversariante Lima Barreto também estará presente, na forma de seus descendentes. O volume "Quilombo do Lima", que será lançado em meio à programação, acena ao escritor do "Triste Fim de Policarpo Quaresma" por meio de contos escritos por 22 jovens formados nas oficinas da Flup.

Nos últimos 13 anos, a festa literária já publicou 30 livros, formou diversos escritores —alguns hoje consagrados internacionalmente, caso de Geovani Martins— e inspirou sabe-se lá quantos leitores. No sábado, promete de novo o ambiente efervescente de uma cidade a cintilar.

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