Por que Francis Ford Coppola gastou US$ 140 milhões do próprio bolso em 'Megalópolis'? Entenda
Até mesmo o cineasta responsável por obras-primas como a trilogia "O Poderoso Chefão" e "Apocalypse Now" (1979) não conseguiu persuadir os estúdios de Hollywood a financiar o projeto, que foi lançado no Brasil nesta quinta-feira (31).
Para o ítalo-americano de 85 anos, uma forte aversão a riscos impede que as empresas tradicionais da indústria cinematográfica nos Estados Unidos realizem grandiosos épicos como os que eram feitos no passado.
Assim, Coppola se viu forçado a infringir mais uma vez uma das regras fundamentais da indústria cinematográfica, vendendo parte de suas vinícolas para arcar, por conta própria, com o orçamento do grandioso épico. Isso é semelhante ao que ele havia feito para produzir seu famoso filme sobre a guerra do Vietnã.
"Naquela época, eu já havia produzido duas sequências de 'O Poderoso Chefão', que lucraram bastante. Recebi várias estatuetas do Oscar, mas, quando manifestei meu interesse em realizar 'Apocalypse Now', os estúdios se mostraram relutantes. No entanto, decidi seguir em frente e fiz o filme de qualquer jeito", recorda o diretor, que conquistou cinco prêmios da Academia.
Francis Ford Coppola e Adam Driver nas filmagens de 'Megalópolis' — Imagem: Divulgação
A Trajetória De 'Megalópolis'
No filme "Megalópolis", o cineasta se baseia na tentativa malsucedida de um senador romano de realizar um golpe, ocorrido décadas antes de Cristo, para narrar a história da degradação de uma versão dos Estados Unidos, apresentada sob a fachada de uma Nova Roma.
Em um futuro próximo, no enredo concebido pelo diretor, um arquiteto a serviço do governo (Adam Driver) lida com políticos, banqueiros e suas emoções interiores enquanto busca construir uma cidade ideal.
Ele caracteriza a narrativa como uma fábula – um tipo de história que, na opinião dele, os grandes estúdios não produzem mais.
"Existe uma visão limitada, possivelmente fundamentada na ciência e em algoritmos, sobre o que um filme deve conter para evitar prejuízos. Isso implica na ausência de riscos. Na minha perspectiva, os riscos são essenciais na arte. Não é possível criar arte sem se expor a eles", declara Coppola.
Adam Driver e Nathalie Emmanuel em uma imagem do filme 'Megalópolis' — Crédito: Divulgação
Os Bastidores De 'Megalópolis'
A narrativa que sustenta "Megalópolis" é tão fascinante quanto a própria obra – talvez até mais. O conceito foi concebido no início da década de 1980 e passou por várias interpretações ao longo do tempo.
A maioria delas reconhece que Coppola reuniu uma vasta quantidade de anotações e referências de diversas obras cinematográficas, após o que elaborou um extenso roteiro influenciado pela Roma Antiga, que, para muitos, era considerado "impossível de ser filmado".
"Passei a registrar minhas impressões sobre diversos filmes para descobrir qual era minha preferência, mas nada disso se relacionava a 'Megalópolis'. O verdadeiro início se deu quando tomei a decisão de criar um épico ambientado na Roma antiga. Contudo, um épico romano na atualidade precisa abordar os Estados Unidos, já que, após a Segunda Guerra Mundial, todos os caminhos convergem para esse país", revela ele.
Em dado momento, próximo ao fim da década, o diretor considerou a possibilidade de realizar seu projeto no famoso estúdio Cinecittà, localizado na capital da Itália.
Na década de 1990, Coppola afastou-se um pouco desse conceito e se concentrou em obras como "O Poderoso Chefão: Parte 3" (1990), "Drácula de Bram Stoker" (1992), "Jack" (1996) e "O Homem que Fazia Chover" (1997).
A expressão "Megalópolis" ressurgiu na mídia especializada no início dos anos 2000. Celebridades como Robert De Niro, Leonardo DiCaprio, James Gandolfini e Ryan Gosling se envolveram nas conversas, no entanto, nenhum acordo foi firmado.
Francis Ford Coppola e Adam Driver dialogam enquanto gravam 'Megalópolis' — Imagem: Divulgação
"A única Pessoa Que Entende O Desejo Do Diretor"
As gravações foram, enfim, oficialmente anunciadas em 2019, contando com um elenco de peso liderado por Adam Driver (da nova trilogia de "Star Wars"), Nathalie Emmanuel ("Game of Thrones") e Giancarlo Esposito ("Breaking Bad").
O começo da produção não indicou a resolução dos problemas. Durante as gravações, as equipes responsáveis pela direção de arte e pelos efeitos visuais passaram por mudanças.
Os confrontos contribuíram para aumentar o orçamento. Inicialmente projetado em US$ 120 milhões, o montante ao final ficou mais próximo de US$ 140 milhões, conforme informações do jornal "New York Times".
Frequentemente, em 'Megalópolis', eu dizia: 'Sou a única pessoa que realmente compreende o que o diretor deseja. Você não tem essa percepção'. Eles entendem o que os cineastas de filmes de super-heróis buscam, mas isso não corresponde ao que eu quero", afirma Coppola.
Imagem de 'Megalópolis' — Crédito: Divulgação
'O Cinema Dos Nossos Netos Será Incrível'
Após a conclusão do filme, o diretor não obteve sucesso em persuadir os estúdios a distribuírem a obra globalmente. Em maio de 2024, "Megalópolis" competiu pelo prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes, mesmo sem ter um distribuidor.
Em junho, o diretor fez um acordo com a Lionsgate, com a condição de que ele arcasse com as despesas de marketing.
Enquanto isso, Coppola teve que lidar com alegações de comportamento inadequado durante as filmagens. Alguns membros do elenco relatam que o diretor beijou suas bochechas e tocou suas costas e quadris sem autorização durante a gravação de uma cena.
Ele não apenas refuta as alegações, mas também moveu um processo contra a revista "Variety", que publicou vídeos dos bastidores.
Desde sua lançamento em diversas regiões do mundo, "Megalópolis" tem enfrentado dificuldades para conquistar um público. Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, o filme arrecadou pouco mais de US$ 7,5 milhões desde o final de setembro.
Em todo o mundo, a soma coletada atinge US$ 13,3 milhões. Contudo, o diretor continua a demonstrar o otimismo que apresentou em sua história.
"Creio que atualmente duas instituições estão enfrentando um declínio: o jornalismo e o modelo de estúdios. A parte positiva é que algo tão essencial quanto o jornalismo, ou um novo tipo de sistema de estúdios cinematográficos, irá ressurgir de uma maneira inovadora no futuro", diz ele.
Giancarlo Esposito em uma abordagem da obra 'Megalópolis' — Imagem: Divulgação