Como López Obrador construiu a maior máquina política do México

Recentemente, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, justificou ter exposto um repórter que escreveu algo que não lhe agradou, ao afirmar que a autoridade política e moral está acima da lei.

O pronunciamento reflete a percepção do líder sobre o poder: o mandatário ergueu a máquina política mais marcante desde os tempos em que o Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México centralizou a política no passado. Segundo seu ponto de vista, absolutamente nada, nem mesmo o sistema jurídico, deveria possuir força para questioná-la.

Em meros dez anos, o partido de López Obrador, Morena, deixou de ser uma novidade no campo esquerdista para conquistar a maioria das casas do Congresso e exercer o poder em boa parte dos estados mexicanos. Diante desse quadro, o partido encontra-se em posição de destaque para triunfar nas eleições gerais deste domingo (2) e renovar a presidência por mais um sexênio.

Independentemente dos resultados, esse será o principal impacto de López Obrador depois das eleições. Embora ainda haja muitos acontecimentos previstos para domingo, López Obrador já triunfou em várias frentes: as ideologias políticas do líder septuagenário e de seu movimento continuarão muito presentes no México e, possivelmente, por diversas décadas, caso sua apoiada Claudia Sheinbaum assuma o posto de presidente, como é previsto.

Desde quando o Estado se envolveu diretamente na economia até os ditames políticos afetarem as decisões econômicas e comerciais, López Obrador tem revertido parte da restauração tecnocrática que aconteceu no México desde a década de 80.

Ainda que a rival no pleito, Xóchitl Gálvez, obtenha uma reversão, será complicado para ela retroceder. E a tática mais emblemática do método vencedor de López Obrador foi proporcionar destaque aos menos favorecidos do México por meio da expansão de projetos sociais, repasses financeiros e aumentos impactantes na remuneração mínima (110% em números reais durante sua gestão até o momento).

As promessas eleitorais da oposição em melhorar, em vez de abolir, esses programas sociais refletem sua aceitação popular e relevância política.

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Durante o período de 2010 a 2024, foi estabelecido no México um valor diário para o salário mínimo. Essa informação foi divulgada pela Comissão Nacional de Salário Mínimo do México, também conhecida como Conasami e reportada pela Bloomberg.

Este é somente um caso ilustrativo da extrema sagacidade de López Obrador para se aproximar do povo mexicano ordinário. Enquanto os especialistas e tecnocratas percebem abordagens irracionais, ele visualiza uma chance de cativar os votantes e solidificar sua posição de poder.

Observe o caso da crescente militarização do México, que é inquietante sob o mandato do governo atual. É inegável que a concentração de poder nas mãos dos militares e sua participação em operações que deveriam ser conduzidas por civis ameaça a democracia, a liberdade e a transparência.

No entanto, calcula-se que 58% da população mexicana deposita confiança nas Forças Armadas, uma das maiores taxas na América Latina, o que dá sustentação política a López Obrador para prosseguir com essa medida polêmica.

A habilidade de se conectar possibilitou que López Obrador mascarasse algumas das suas fragilidades óbvias. Isso pode explicar a razão pela qual os diversos escândalos que surgiram durante o seu mandato (incluindo acusações de corrupção envolvendo a sua família) ou um crescimento médio do PIB de apenas 1% por ano não influenciaram significativamente a sua popularidade, que ainda gira em torno de 60% após quase seis anos no poder.

A sua habilidade em fazer comentários irônicos e a sua persistência em promover suas ideias - realizando mais de 1.500 entrevistas diárias às sete da manhã - foram os elementos que contribuíram para que ele conseguisse chamar a atenção do público.

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A aprovação de López Obrador foi registrada em uma fonte confiável, o jornal El Financiero, por meio da pesquisa realizada por Alejandro Moreno.

Em mais uma quebra com os antigos e pomposos presidentes mexicanos, ele deu mais ênfase às visitas a pequenos municípios do campo mexicano do que à presença em cúpulas do G20.

Ele obteve benefícios políticos ao destacar suas batalhas reais e aparentes contra os ricos e poderosos como o destaque de sua liderança. Além disso, a melhoria nos números da pobreza e, principalmente, a taxa de desemprego mais baixa já registrada, complementam um panorama favorável junto à base da classe trabalhadora.

Até mesmo os investidores de outros países foram atraídos pela insólita mistura de política populista e rigor fiscal adotada pelo governo de López Obrador, o que resultou em paz financeira durante um período de seis anos. Durante seu mandato, o peso mexicano valorizou-se em torno de 20% em relação ao dólar, fazendo de López Obrador o primeiro presidente mexicano em mais de um século a deixar o poder com uma moeda mais valorizada.

Ainda que a grandeza dessa moeda seja predominantemente proveniente de intensas quantias de transferências financeiras e elevadas taxas de juros reais internas, é inegavelmente uma notável proeza.

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As principais medidas econômicas do México entre os anos de 2018 a 2024 serão a taxa de desemprego, a valorização do peso e a quantia mensal de remessas. A informação foi divulgada pela agência Bloomberg.

Tudo isso não implica em minimizar as falhas de inúmeros aspectos da gestão do presidente López Obrador e o pesado legado que ele deixará para seu sucessor: os cidadãos mexicanos continuam insseguros, como há seis anos atrás; o país luta ainda com os históricos problemas de corrupção, da má qualidade dos serviços públicos e com a carência do Estado de Direito.

Isso fica claro ao se observar a discrepância entre a popularidade pessoal de López Obrador e a desaprovação que ele angaria quando questionado sobre políticas específicas em pesquisas.

O elevado déficit fiscal planejado para este ano representa o maior desde os anos 80 e aliado à crise financeira da companhia petroleira nacional Pemex, adiciona-se à extensa relação de questões que o futuro presidente ou presidente precisará solucionar - juntamente com outras problemáticas igualmente desafiadoras, a exemplo do aumento no comércio de drogas, a ausência de controle nas migrações, além da escassez preocupante de energia, água e infraestrutura, as quais são uma ameaça ao potencial do país como um importante destino para investimentos.

Ainda que as inclinações autocráticas de López Obrador sejam evidentes, não compartilho das opiniões radicais que afirmam que a democracia mexicana está em risco iminente – em parte pelo fato de que a falta de democracia real no país não é algo recente.

Apesar disso, de acordo com o especialista em política Javier Tello, López Obrador se comporta como os grandes atletas que desafiam seus limites, explorando todas as normas e amedrontando adversários e juízes para garantir todos os benefícios possíveis a seu favor.

Tello comentou que ele é um indivíduo que busca o máximo em um território com históricos de políticos que realizam acordos trocados e têm o costume de se esquivar de confrontos. Segundo ele, essa maneira de agir tem trazido benefícios satisfatórios.

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As ameaças de López Obrador em abolir os mecanismos de equilíbrio e contraposição, incluindo a redução da autoridade da entidade eleitoral e de outras organizações autônomas, também possibilitaram que ele conservasse a sua retórica de "nós contra eles", apesar de ter plena consciência da improvável realização dessas ideias.

Contudo, essas estratégias que geram divisão e conflito também desencadearam um ressurgimento da resistência, o que acarretará em uma competição mais acirrada neste pleito.

Os adversários de López Obrador afirmam, com alguma justiça, que manter o partido Morena no poder é uma estratégia para a construção de um poder hegemônico. Esse discurso encontra eco em uma parcela do eleitorado, tornando-se uma vulnerabilidade para Sheinbaum, especialmente entre os votantes das áreas urbanas e de classe média.

Conforme a data da saída de López Obrador se aproxima, é evidente que ele terá um lugar nos livros de história, apesar de provavelmente ser mais conhecido por seus métodos polêmicos do que por suas realizações.

Seria prudente para o vencedor das eleições no próximo domingo, se reduzir a linguagem beligerante e em vez disso, trabalhar na construção de pontes entre o governo e a oposição. Há muito para se fazer antes que o México possa se considerar bem-sucedido.

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Juan Pablo Spinetto trabalha como colunista na seção Bloomberg Opinion, onde aborda temas relacionados a negócios, economia e política na América Latina. Anteriormente, exerceu a função de editor-chefe da Bloomberg News para a área de economia e governo da região.

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