Instituto lança série que desmistifica obra de Paulo Freire 

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Paulo Freire

O nome de Paulo Freire, um recifense, é amplamente comentado tanto por brasileiros quanto por estrangeiros, que o apoiam com fervor ou os que discordam totalmente de sua filosofia. Quanto ao advogado, educador e ex-secretário de Educação da cidade de São Paulo, há uma infinidade de mal-entendidos sobre suas propostas pedagógicas. Foi com a intenção de esclarecer algumas dessas distorções que o Instituto Cultiva apresentou nesta quinta-feira (19) a série digital "Os 7 Mitos sobre Paulo Freire".

Paulo Freire veio ao mundo na capital de Pernambuco, neste mesmo dia, em 1921. Naquele tempo, o movimento manguebeat ainda não existia, aquele que criticaria os resultados da análise da cidade sob a ótica do avanço social.

Em uma conversa com a Agência Brasil, o cientista político Rudá Ricci, que foi aluno do renomado educador e é o atual presidente do Instituto Cultiva, relata como teve seu primeiro contato com as obras de Paulo Freire e compartilha sua experiência ao encontrá-lo pessoalmente pela primeira vez.

Aos 16 anos, o paulista Ricci já se relacionava com lideranças de movimentos sociais do Nordeste e estudava, entre outros autores, Paulo Freire. Enquanto era estudante de Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), decidiu participar de um evento com o educador. No entanto, ele subestimou a quantidade de pessoas que estariam interessadas e chegou em cima da hora, não conseguindo se aproximar dele. Em algumas ocasiões, ele faltou às aulas do seu curso de graduação para assistir às palestras de Freire, no andar de Pós-Graduação, com a autorização do educador, mas sob a condição de entregar todos os trabalhos exigidos pelos demais alunos.

"Creio que ele não estava totalmente convencido, mas segui firme no meu compromisso. Algum tempo depois, ele me convidou para um seminário que aconteceria num sábado de manhã, em uma sala muito maior na PUC, a 333. Fui, e novamente me surpreendi. Havia tantas pessoas que algumas estavam sentadas no chão, um auditório com cerca de 200 participantes. Tinha gente de várias partes do mundo, o que me deixou ainda mais admirado. Eu pensava: como pode alguém viajar da Finlândia só para assistir a uma aula dele num sábado? E também havia pessoas da Argentina, algo realmente impressionante. As aulas dele eram bastante distintas. Ele pegava um ou outro de seus livros e mal passava de uma página. Ele lia um parágrafo, fazia uma pausa, comentava sobre experiências que teve na Europa ou na África, voltava a trechos anteriores, referenciava outros autores", recorda.

A primeira vez que soube sobre a Escola de Frankfurt, que analisava as repercussões do capitalismo em diversas áreas sociais, foi nesse período. "Era, de fato, um seminário bastante elaborado. Ele me convidou para atuar como alfabetizador de adultos, inicialmente, na PUC. Eram trabalhadores como faxineiras e porteiros de prédios. E foi nesse ponto que mergulhei completamente no universo da educação. Tornei-me amigo dele. Ele ocupou o cargo de secretário da [Luiza] Erundina, enquanto eu fui subsecretário da administração regional. Assim, nosso vínculo se aprofundou, tanto no âmbito teórico quanto emocional. Ele era como um avô, sempre muito atento. Portanto, a minha trajetória profissional teve como base Paulo Freire, você pode imaginar", recorda.

Segundo o porta-voz do Cultiva, Paulo Freire reconhecia que a esfera política se manifestava na interação entre o educador e o aprendiz. Ricci explica que, para esse filósofo, o educador não deve impor ao aluno uma definição do que ele deveria se tornar.

"Ele afirmava que esse é o pior tipo de educador ou político que aspira a mudar o mundo, mas que realmente serve aos interesses dos marginalizados. Ele comentava: 'vejam, há muitos revolucionários que idealizam a revolução apenas para conquistar mais poder, para derrubar aqueles que estão no comando e assumir essa posição, mas que não almejam uma verdadeira transformação'. O que eu ressaltaria é como ele nos incentivava a ter autocontrole sobre as próprias inseguranças do educador, a impaciência do educador, o desejo de promover mudanças a qualquer custo, até mesmo de maneira agressiva", acrescenta.

Ricci esclarece que a abordagem proposta por Paulo Freire leva em consideração as circunstâncias individuais de cada aluno e ilustra com um exemplo de uma estudante que presenciou o assassinato de seu irmão, cometido por traficantes de drogas, na entrada de sua escola. Esse evento traumático a impediu de continuar frequentando as aulas. Diante disso, a direção da instituição resolveu alterar o horário das aulas da aluna para oferecer suporte. "Eles notaram que, ao mudar seu turno, o ambiente e a memória poderiam ser transformados. Com a mudança de turno, ela floresceu", conta.

Rudá Ricci ressalta que a educação deveria fundamentar-se nas interações sociais, e não apenas nas habilidades técnicas, colocando em xeque a eficácia dos indicadores de desempenho como a única maneira de avaliar o processo de ensino.

Paulo Freire afirma que a técnica deve estar a serviço da sala de aula somente quando existe, primeiramente, um diagnóstico social do aluno. Se a criança está passando fome, como poderá se concentrar em uma conta matemática? E se, por acaso, ela sofre abuso sexual, como posso apoiá-la para que consiga estudar geografia? Ele ressalta que isso é uma responsabilidade do professor, mas não deve ser encarado como um problema isolado apenas do docente. Trata-se de uma questão que envolve a secretaria de educação, os governos e as políticas públicas do Brasil. Isso implica que a escola sozinha não é suficiente e o professor também não é. É necessário, pelo menos, que haja uma articulação entre a escola, os serviços de saúde e a assistência social.

Dentro da abordagem pedagógica freiriana, que valoriza a humanização e a emancipação, os educadores também passam por um processo de transformação. Ricci menciona que sempre sai exausto de suas aulas, pois está constantemente atento às reações de seus alunos e às suas próprias, enquanto busca as melhores oportunidades para estabelecer um diálogo significativo, fundamentado em interações autênticas. Adicionalmente, ele desenvolveu o conceito de "silêncio tático", que potencializa as chances de diálogo ao permitir que o educador restrinja suas manifestações diante de um aluno com opiniões divergentes, promovendo um clima de confiança.

De acordo com Ricci, Paulo Freire afirmava que o educador deve estar atento às reações dos alunos durante as aulas, ao seu engajamento, se as palavras são compreendidas ou não, se elas trazem aprendizado ou incitam questionamentos, além de verificar se a sala de aula é um ambiente adequado para a dúvida e se os estudantes estão sendo tratados com respeito.

"O Paulo costumava dizer isso constantemente: você não pode negar a sua identidade ou suas opiniões, mas é crucial saber quando expressar seus pensamentos. Afinal, se você se pronunciar no momento inadequado, poderá acabar envergonhando o aluno. O educador sempre terá uma posição de autoridade, pois ocupa uma função diferente da do aluno, no entanto, a maneira como se apresenta deve ser democrática", ressalta.

Lista De Mitos Da Série Do Instituto Cultiva

Paulo Freire não ensina, mas impõe ideologias. Ele sempre argumentou que o estudante deve ter a oportunidade de refletir de maneira independente e desafiar as circunstâncias ao seu redor.

O Brasil incorporou a abordagem freireana. Essa metodologia nunca foi implementada em todo o território nacional, mas apenas em instituições de ensino selecionadas.

3. Sua abordagem contribuiu para o crescimento do analfabetismo. As questões educacionais no Brasil estão relacionadas a outros elementos, como a desigualdade social e a ausência de investimentos na área da educação.

4. Paulo Freire nunca ficou restrito ao ato de ensinar. Ele trabalhou como professor de português em Recife e desempenhou várias funções no campo educacional, passando pelo Sesi e atuando em instituições como Harvard e Unicamp.

5. A abordagem de Paulo Freire é considerada um insucesso. No entanto, essa mesma abordagem é vista como um modelo na Finlândia, país que frequentemente ocupa as primeiras posições em classificações globais de educação.

6. Com Paulo Freire, a figura do professor passou a ter uma nova abordagem em relação à autoridade. Freire nunca propôs uma educação desprovida de autoridade, mas sim uma que fosse exercida de maneira democrática.

7. Aqueles que apoiam Paulo Freire são comunistas. No entanto, ele se afastava da ideologia leninista e também fazia críticas a revolucionários que não estabeleciam um diálogo com a população.

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