Drogas: Oregon, nos EUA, e Portugal deram passos bem mais ...

5 Set 2023
Portugal

Nos últimos 20 anos, ganhou força a opinião de que o combate ao tráfico é uma guerra inútil que provoca mortes em uma proporção maior do que as registradas por doses excessivas de drogas, que o dinheiro empregado no aparato de repressão seria mais bem usado nos setores de saúde e de educação, e são muitos os argumentos que sustentam esse debate entre os defensores da proibição e os defensores da legalização das drogas.

Essa discussão sobre a política ideal para a questão das drogas ocorre em muitos países. Assim como as experiências de mudança dessas políticas. Nas últimas semanas, alguns dos órgãos de maior prestígio da imprensa internacional voltaram as atenções para dois casos: um estado americano e um país europeu que deram passos bem mais amplos do que aquele que o STF está analisando no Brasil - porque eles descriminalizaram também o consumo de drogas pesadas.

Em Portugal e no estado do Oregon, autoridades e especialistas estão avaliando o que deu certo e o que precisa de aperfeiçoamentos em relação a essas iniciativas.

Portugal

Foi em 1999 que Portugal começou a discutir a descriminalização do uso de drogas. Foram necessários dois anos de discussões entre o governo e representantes da sociedade civil até que a nova estratégia entrasse em vigor, em 2001. O consumo de maconha, cocaína, heroína e de drogas mais pesadas continuou sendo considerado ilegal, mas o usuário não chega a ser preso. Para alguns casos, foi estabelecida a possibilidade de aplicação de multas.

O governo português trocou as punições pela política da redução de danos ao permitir a compra e posse de suprimentos para dez dias. Em vez de ir para a prisão, os usuários são fichados e encaminhados para comissões de saúde. Só que as autoridades falam, agora, em um desgaste do modelo e se perguntam: Chegou a hora de reconsiderar o projeto aclamado por tantos países?

Em uma reportagem de julho de 2023, o jornal americano “Washington Post” destacou que outros países também tomaram medidas para lidar com os crimes relacionados às drogas, fora do sistema penal, mas que ninguém na Europa institucionalizou mais essa iniciativa do que Portugal.

Os especialistas que defendem a descriminalização destacam a queda das taxas de transmissão de HIV por meio de seringas em Portugal; além da diminuição de 16% da população carcerária nos primeiros oito anos do projeto.

O subdiretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências, Manuel Cardoso, explicou que o primeiro estudo com resultados sobre o modelo português foi publicado em 2009, e trouxe resultados positivos.

“Houve evolução, houve sucesso, mas foi durante muitos anos. E, portanto, agora precisamos de retomar essa capacidade de dar resposta às necessidades dos cidadãos”, diz.

Segundo o estudo mais recente, o número de adultos que usam drogas ilícitas aumentou de quase 8% em 2001 para quase 13% em 2022. As taxas de overdose diminuíram de 2009 a 2011. Mas, nos dez anos seguintes, o número aumentou. Recentemente, as amostras do esgoto em Lisboa apresentaram uma concentração de cocaína entre as mais altas da Europa. De 2021 a 2022, a criminalidade aumentou 14% em todo o país, e a polícia tem relacionado o aumento do número de usuários à disparada na criminalidade.

As taxas de overdose diminuíram de 2009 a 2011. Mas, nos dez anos seguintes, o número aumentou — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Na cidade do Porto, no norte de Portugal, tem sido comum ver em lugares públicos - e até mesmo próximo a escolas - materiais de usuários de drogas, como tampas de seringa e pacotes de ácido cítrico para diluir heroína.

"Eu não saio de casa a pé. Quando vim morar para aqui há 10 anos, eu ia a pé daqui à Beira Rio e voltava. Eu não posso ir ao supermercado a pé porque não me sinto segura”, conta Olga Teixeira, moradora do Porto.

Alguns críticos portugueses dizem que não são contrários à descriminalização, mas brigam para uma recriminalização limitada, como defendeu o prefeito Rui Moreira.

“A minha preocupação é assim: há locais, principalmente na proximidade das escolas, onde o tráfico e depois o consumo de drogas, nomeadamente injetáveis, tem que ter alguma forma de ser evitado”, afirma Rui Moreira.

Em 2012, em plena crise econômica, Portugal descentralizou do Estado algumas operações relacionadas ao controle de drogas e reduziu drasticamente o investimento ao longo dos anos.

“Se compararmos o momento atual mesmo assim com 2000, estamos a milhas de distância. A verdade é que já estivemos muito melhor do que estamos hoje. A descriminalização por si só não é, digamos, uma poção mágica que resolve o problema dos consumos ou das dependências”, diz Manuel Cardoso.

Agora, em meio à discussão da medida, o governo português faz uma tentativa de salvar o modelo: está criando um novo instituto destinado a revigorar os programas de prevenção às drogas. A representante do Grupo de Ativistas em Tratamento, Diana Silva, explicou que o novo organismo deve começar a funcionar já no início de 2024.

“Terá condições para o consumo fumado, terá condições para um pequeno lanche. Portanto, condições que aqui a unidade móvel infelizmente não consegue ter”, diz Diana Silva.

Oregon

O estado americano do Oregon foi pioneiro na liberalização do consumo de drogas, com apoio dos eleitores em votações sobre o tema.

A maconha estava proibida havia 40 anos nos Estados Unidos quando o estado do Oregon foi na contramão. Em 1973, o estado descriminalizou o porte de pequena quantidade de maconha. Era o auge da guerra às drogas - campanha mundial encabeçada pelo governo americano para combater drogas ilícitas.

Ao longo dos anos, vários estados seguiram o exemplo do Oregon. Hoje, a maconha é legalizada para uso medicinal na maior parte do país e, em 23 estados, é liberada também para uso recreativo.

Silvia Martins é pesquisadora na Universidade Columbia, em Nova York.

“A gente viu que houve um aumento de uso e uso frequente em adultos com 26 anos ou mais, e um pequeno aumento em abuso e dependência também em adultos com 26 anos ou mais. Mas a gente não viu aumento de uso entre adolescentes”, afirma Silvia Martins, prefessora do Departamento de Epidemiologia da Universidade de Columbia.

Para o mercado, a legalização da maconha formalizou uma indústria que em 2022 arrecadou US$ 32 bilhões em vendas. Nos estados, resultou em aumento de receita, através da cobrança de impostos.

a legalização da maconha formalizou uma indústria que em 2022 arrecadou US$ 32 bilhões em vendas — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

O Oregon é pioneiro em medidas assim porque tem um sistema em que as leis podem ser sugeridas pelo povo e depois são votadas pela própria população. Em 2020, a proposta veio dos eleitores: descriminalizar também a posse de pequenas quantidades de drogas pesadas - incluindo cocaína, heroína, metanfetamina e fentanil - da mesma forma que foi feito há 50 anos com a maconha. 58% dos eleitores aprovaram a medida e as drogas pesadas deixaram de ser vistas como uma questão de segurança e passaram a ser um problema de saúde pública.

Cena comum em várias cidades americanas: centenas de pessoas que moram nas ruas na fila do almoço. Muitas delas em uma batalha contra o vício. Só que o estado do Oregon é conhecido por começar ideias inovadoras, e o jeito como eles estão lidando com a guerra às drogas também é diferente.

A polícia vai montada na bicicleta e, quando encontra a Michelle, dá uma multa pelo porte de pequena quantidade de droga e um cartão com um número para ela ligar e procurar ajuda. Se ela fizer isso, não precisa pagar a multa, que custa o equivalente a R$ 500.

O jornal “The New York Times” ressaltou, em reportagem de agosto, que muitas vezes os usuários de drogas ignoram as multas e que alguns policiais, sabendo que elas podem ser inúteis, deixam de aplicá-las. A Michelle conta que foi expulsa de casa aos 13 anos e que se envolveu com drogas sintéticas para conseguir suportar a violência das ruas.

Mas, hoje, os Estados Unidos passam por uma crise sem precedentes. Uma droga potente tomou as ruas: o fentanil, um opioide que deveria ser usado somente como medicamento anestésico e de combate a dores crônicas ou severas.

“Nós não estávamos preparados para lidar ao mesmo tempo com a crise do fentanil e com a descriminalização do porte de drogas. Já dei multa para a mesma pessoa duas vezes no mesmo dia”, conta o policial David Baer.

O deputado estadual Rob Nosse foi um dos maiores defensores da descriminalização das drogas pesadas. Ele afirma que a política não está relacionada ao aumento do número de óbitos por overdose no estado. Em 2011, eram 13 óbitos a cada 100 mil pessoas. Em 2021, o número subiu para 26 a cada 100 mil. No país todo, o número subiu ainda mais.

Óbitos por overdose nos Estados Unidos — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Rob diz que esse crescimento foi por causa da epidemia do fentanil. Ele admite que o Oregon está tendo dificuldade para implementar a medida do jeito certo, principalmente a parte da lei que prevê tratamento de reabilitação amplo e gratuito.

A ideia do programa era usar o dinheiro dos impostos da venda legalizada de maconha para o tratamento dos dependentes químicos. Mas só em agosto, quase três anos depois da descriminalização, o estado abriu a primeira clínica de reabilitação financiada pela nova medida. Joe Bahezi, o diretor dessa nova clínica de reabilitação, mostra que no prédio há 16 leitos com supervisão 24h por dia.

Keith Humpreys é uma das maiores autoridades em dependência química nos Estados Unidos e aconselha os políticos do Oregon. Ele diz que a medida, até agora, fracassou; que o estado é hoje recordista no uso de drogas pesadas e está em último lugar na oferta de tratamento; e que os 16 leitos que abriram até agora não são nem o começo. Ele defende que não se pode acreditar que o combate às drogas é apenas um assunto de saúde pública ou apenas de polícia, e que o papel da polícia, hoje, tem que mudar - de forma a coibir o uso e encaminhar os dependentes à assistência de saúde.

O Chad, dependente químico das ruas de Portland, a maior cidade do Oregon, disse que ele mesmo teve que salvar cinco pessoas da morte só na semana passada e que o mais difícil da vida na rua é sair dela.

A Katherine alimenta com fórmula infantil um filhote de esquilo que encontrou na rua. Quando é perguntada sobre o que levou ela a começar a usar drogas, ela diz: “Solidão”.

O diretor da clínica recém-inaugurada também já foi dependente químico. Ele acha que o mais difícil é reestabelecer no paciente o amor próprio.

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