Cúpula da paz na Ucrânia: reunião termina, mas sem consenso

17 Junho 2024
Ucrania

Ontem, foi realizado o segundo e último dia da Cúpula da Paz na Suíça, com a presença de 92 representantes nacionais e uma forte delegação da América Latina. A Rússia não foi incluída no convite e a China decidiu não participar do evento. A declaração final da Cúpula foi aprovada pela maioria dos participantes, que incluíam cerca de 80 países. No entanto, países como Brasil, Índia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos não apoiaram a declaração.

No último domingo, os participantes foram organizados em três grupos distintos para trabalhar: segurança nuclear, questões humanitárias, segurança alimentar e liberdade de navegação no Mar Negro. As conversas se basearam em ideias concordantes com o plano de paz proposto pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no final de 2022, e nas resoluções da ONU sobre a invasão russa. Os líderes globais confirmaram o seu apoio à Ucrânia em relação à sua independência e integridade territorial. No entanto, reconheceram a necessidade de incluir Moscou nas discussões e negociações sobre o término da guerra.

De acordo com Mariana Kalil, que é uma mestre e doutora em relações internacionais e professora de geopolítica da Escola Superior de Guerra, é essencial que qualquer tentativa de estabelecer diálogo entre as partes interessadas seja inclusiva. Ela acredita que a inclusão igualitária de todas as partes é um pilar crucial para a diplomacia e a paz. Porém, se as partes que detêm mais poder tentarem manipular a situação, isso pode resultar em atrasos ainda maiores, ou até mesmo levar a uma solução que envolva o uso de força militar, afastando ainda mais a possibilidade de encontrar uma solução pacífica.

A reunião aconteceu em um momento delicado para a Ucrânia, uma vez que as forças russas são mais fortes e mais numerosas no campo de batalha. Em Zaporizhzhia, região sul da Ucrânia, o Ministério da Defesa Russo afirmou ter tomado Zahirne, bem como ter imposto condições para um cessar-fogo, como instruído pelo presidente russo na sexta-feira passada. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, destacou que não era um "ultimato", mas sim uma "iniciativa de paz sensível às condições reais em campo".

Os ataques realizados pelos russos nas infraestruturas energéticas da Ucrânia resultaram em uma diminuição de 50% na produção de eletricidade do país desde o último inverno. Além da assistência financeira de mais de 1,5 bilhão de dólares anunciada no último sábado pela vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, outros países se prontificaram a colaborar.

No dia de ontem, foi anunciado pela Noruega que irá alocar a quantia de 1,1 milhões de coroas (equivalente a aproximadamente 552 milhões de reais) para a Ucrânia. Além disso, outros 11 milhões de dólares (58 milhões de reais) serão utilizados para reparos de infraestruturas localizadas na região de Kharkiv, que fica no nordeste do país. A declaração foi divulgada durante a participação de Store em uma conferência na Suíça.

Além disso, Oslo se comprometeu a fornecer auxílio militar e civil no valor de 75 milhões de coroas norueguesas (equivalentes a cerca de 37 milhões de reais) durante o período de 2023 a 2027.

As comunicações provenientes de nações que não pertencem ao círculo convencional de defensores da Ucrânia não foram tão explícitas. Um aliado da Rússia no setor energético, a Arábia Saudita, afirmou que a resolução do conflito exigirá que Kiev se comprometa com medidas difíceis. O chanceler saudita, Faisal bin Farhan, ressaltou que a presença russa será vital para garantir qualquer processo viável.

O líder do Quênia, William Ruto, condenou as recentes medidas ocidentais tomadas contra a Rússia. Ele se referiu ao acordo feito pelo G7 para fornecer um empréstimo no valor de US$ 50 bilhões à Ucrânia, financiado através dos lucros dos bens russos congelados. Ruto afirmou que, assim como a invasão russa da Ucrânia foi ilegal e inaceitável, a apropriação unilateral dos bens russos também é ilegal.

O expert em questões jurídicas, Gustavo Blum, explica que a questão está relacionada à segurança no campo jurídico. "Muitos recursos financeiros foram congelados no início do conflito de 2022. A grande maioria desses recursos pertence a russos bilionários, alguns deles sendo oligarcas importantes. Na realidade, a imagem de Europa e Estados Unidos como mercados financeiramente seguros está agora sendo questionada, quando consideramos o máximo de pressão exercida sobre a Rússia, enquanto a Israel recebe apoio. Países emergentes observam isso e já estão ponderando alternativas para direcionar seus recursos."

Países como o Brasil, a Índia, a Arábia Saudita, a África do Sul e os Emirados Árabes Unidos, que mantêm relevantes laços comerciais com a Rússia enquanto integrantes do grupo econômico Brics, compareceram à reunião, porém não chegaram a um consenso para emitir uma comunicação oficial conjunta. Outros Estados, como a Armênia, o Bahrein, a Indonésia, a Líbia, a Tailândia e o México, também não rubricaram o texto.

No relatório, foi reiterado o compromisso com a soberania, independência e integridade territorial de todos os Estados, inclusive a Ucrânia. Foi solicitada a troca de prisioneiros e a repatriação das crianças deportadas para a Rússia. O texto ainda enfatizou a importância do envolvimento e diálogo entre todas as partes para alcançar a paz. No sábado, Volodimir Zelensky afirmou que apresentará propostas de paz à Rússia assim que a comunidade internacional validar tal ação.

A ausência de consenso nas posturas mostra como, mesmo que o tema em debate seja a Ucrânia, visando apoiar uma das partes em conflito e isolar a Rússia, outras circunstâncias internacionais também interferem na atitude dos países. A situação em Gaza pode ser vista como a mais evidente, mas também foram mencionadas as disputas na Síria, no Congo e no Iêmen", afirmou Gustavo Glodes Blum.

As distintas posturas demonstram o desafio que Kiev irá enfrentar ao tentar obter um consenso entre um grupo tão diverso quanto à formulação de uma proposta para lidar com a Rússia.

O professor de política comparada da Universidade Nacional de Kyiv-Mohyla, Olexiy Haran, expressou sua desilusão com a postura adotada por algumas nações, dentre elas o Brasil, diante das influências exercidas por Rússia e China. Sua crítica foi enviada ao Correio.

Ele declara que, uma vez que a Rússia não respeitou as resoluções, é necessário buscar alternativas. "As reuniões internacionais de paz apresentam outra oportunidade diplomática para pressionar a Rússia. Embora não saibamos se elas realmente serão eficazes, é importante explorarmos todas as opções e mantermos uma pressão internacional constante".

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