A disputa histórica entre Venezuela e Guiana pelo Essequibo

Venezuela

O presidente da Venezuela, Maduro, tomou a iniciativa de convocar um referendo para debater a anexação da região que abrange a maior parte do país vizinho. Especialistas acreditam que essa atitude tem o objetivo de desviar o foco das primárias da oposição venezuelana e dar apoio irrestrito ao governo da Venezuela. A longa e histórica disputa pelo território de Essequibo, entre a Venezuela e a Guiana, tem tomado um novo rumo nas últimas semanas. Apesar de o conflito não ter sido resolvido há mais de um século, dois acontecimentos recentes apontam para o aumento da tensão entre as duas nações.

Em outubro, Nicolás Maduro, o chefe de estado da Venezuela, divulgou a intenção de realizar um plebiscito não obrigatório para deliberar sobre a incorporação de uma área que é dona de 74% do território da Guiana. A votação está agendada para o dia 3 de dezembro.

Depois disso, a Guiana pediu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) para marcar uma audiência sobre o caso em curso desde o ano passado e requereu que o tribunal ordenasse à Venezuela abolir o referendo. Até o momento, a decisão ainda não foi proferida.

Segundo Rocio San Miguel, presidente da organização não governamental Social Watch na Venezuela, vivemos um momento em que as tensões diplomáticas atingiram um pico sem precedentes na história do conflito territorial entre os dois países.

No dia 23 de outubro, Maduro convocou o referendo que, de acordo com alguns especialistas, foi uma resposta ao resultado das primárias da oposição venezuelana. Isso porque, um dia antes, mais de 2,5 milhões de eleitores optaram por María Corina Machado como sua candidata presidencial para 2024, embora ela seja considerada inelegível.

"Qual o propósito de abordar um tema que desperta a paixão dos venezuelanos depois do resultado das eleições? Seguramente, para utilizá-lo como um fator que desvie o foco do significativo impacto político que as primárias causaram", afirmou San Miguel.

Especialistas também levantaram dúvidas acerca da formulação das cinco questões da pesquisa e inclusive sobre a sua legalidade, assim como eventuais desdobramentos no contexto do direito internacional público.

De acordo com San Miguel, as questões foram criadas com um propósito prejudicial e mal intencionado, e algumas delas - como a terceira - possuem o intuito de retirar a Venezuela do processo na Corte Internacional de Justiça, uma atitude histórica que seria um grave erro. Já as quarta e quinta perguntas poderiam gerar graves consequências, inclusive militares, pois fornecem um poder excessivo e irresponsável. San Miguel também as descreve como um cheque em branco.

Yoel Lugo, um especialista em política da Universidade Rafael Urdaneta (URU) em Maracaibo, concorda com essa visão. Ele acredita que o governo de Maduro está buscando obter uma autorização sem limites para que possa explorar inúmeras opções, incluindo a opção militar, a fim de prolongar o seu mandato e adiar as eleições presidenciais de 2024 através da implementação de um período de "estado de emergência".

De acordo com Jesús Castillo Molleda, cientista político e diretor da empresa de análises Polianalitica, o referendo terá ainda outra consequência: questionar a opinião pública da oposição. Ele afirma à DW que ser contra o governo é uma coisa, mas ser contra a defesa do território histórico da Venezuela é outra. Para Molleda, o próximo dia 3 de dezembro será importante para o governo avaliar suas estratégias políticas.

O Essequibo, nomeado Guiana Essequiba na Venezuela, é um território com grande riqueza na biodiversidade, flora e minérios, possuindo uma extensão total de aproximadamente 160 mil km², na região ocidental do rio que lhe dá nome, contemplando por volta de dois terços do território da Guiana.

Durante o século XIX, a Guiana, enquanto sob domínio britânico, estipulou o seu território a leste do rio, porém, ao longo do tempo expandiu-se gradativamente rumo ao oeste, que já pertencia à Capitania Geral da Venezuela. Segundo Lugo, uma contenda em 1841 "deixa evidente que as autoridades britânicas já estavam cientes da fronteira fluvial do rio Esequibo".

O surgimento de jazidas de ouro e a expansão da fronteira da Guiana Britânica para o oeste, através da Linha Schomburgk, levaram à criação de um tribunal de arbitragem em Paris. O objetivo era deliberar sobre a disputa territorial existente na região. Em 1899, o veredicto foi expedido e, segundo Jorge Morán, um cientista político da Universidade Rafael Belloso Chacín, "a Venezuela perdeu todo o Esequibo". Entretanto, o país não aceitou tal decisão, considerando-a "inválida e fraudulenta". Morán ainda levanta suspeitas de imprecisões e falta de imparcialidade por parte dos árbitros.

A Venezuela apoia o Acordo de Genebra de 1966, o qual buscava encontrar uma solução política eficaz para o conflito e reconhecia que havia uma disputa sobre a sentença arbitral de 1899. Entretanto, as negociações não apresentaram resultados satisfatórios e, após todos os procedimentos terem sido exauridos, o caso foi encaminhado à CIJ pela própria Guiana e pela ONU. Em 2020, o tribunal decidiu examinar o caso, mas a Venezuela não reconhece sua legitimidade para tal.

Por meio do referendo que ocorreria em 3 de dezembro, a Venezuela tentaria obter acordo dentro do país acerca da rejeição histórica da sentença arbitral de 1899. Ademais, afirmaria seu respaldo ao Acordo de Genebra e repudiará novamente a legitimidade da CIJ para decidir sobre o caso.

A tensão aumentou devido à revelação, em 2015, da existência de grandes quantidades de petróleo no litoral da Guiana, atraindo vários consórcios internacionais, com destaque para a ExxonMobil dos Estados Unidos.

Hoje em dia, a Guiana possui uma reserva de petróleo avaliada em 11 bilhões de barris, o que representa aproximadamente 75% da reserva brasileira de petróleo. Essa descoberta tem gerado um grande fluxo de dinheiro para o país, acelerando seu crescimento. Entretanto, despertou a atenção de Maduro - que sustenta que a área marítima localizada em frente ao Essequibo pertence à Venezuela.

Morán acredita que a Guiana tirou vantagem da falta de interesse e da falta de responsabilidade dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, em particular do primeiro, que na verdade renunciou à sua reivindicação sobre o Essequibo.

Desde o ano de 2020, a Venezuela compareceu a duas sessões da CIJ, porém afirmou que o tribunal não possui competência sobre a questão e priorizou o Acordo de Genebra.

De acordo com San Miguel, a Venezuela precisaria fazer uso da CIJ como uma forma de resolver a contenda, ao invés de se afastar dela, e encontrar uma solução pautada nas normas do direito internacional.

Segundo ele, seria relevante "solicitar o fim da autorização de recursos destinados à exploração de elementos naturais localizados em Essequibo" e, simultaneamente, "encerrar a permanência de forças militares guianenses no território em disputa".

Segundo Lugo, tomar qualquer medida sem consultar outras partes não trará benefícios aos mais de 125 mil indivíduos que vivem no Essequibo, tampouco aos mais de 30 milhões de venezuelanos que esperam ver o território legítimo e histórico da Venezuela incluído em seu mapa.

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