Eleições na França alertam parlamentares brasileiros sobre necessidade de agenda à esquerda

10 Julho 2024
Franca

Após a surpreendente vitória da esquerda nas eleições legislativas da França no último domingo (7), parlamentares do Congresso Nacional ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que enxergam no pleito do país europeu sinais que podem ser úteis no Brasil. As projeções para o segundo turno na França indicavam que a extrema direita, liderada por Marine Le Pen, sairia vitoriosa, porém acabou em terceiro lugar no número de assentos conquistados. Esse resultado veio após algumas lideranças desistirem de suas candidaturas para formar uma coalizão que impedisse o avanço dos seguidores de Le Pen.

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Foto Brasil de Fato

Paulo Paim é um dos veteranos mais proeminentes da política legislativa brasileira, sendo senador desde 2003. Para ele, as eleições na França foram um sinal encorajador da força e amplitude política da esquerda. Ele considera que no Brasil é crucial construir uma frente ampla de centro-esquerda, pois caso contrário, em dois anos, o parlamento brasileiro poderá sofrer um retrocesso ainda maior em comparação com a situação atual.

Membro do Grupo Parlamentar Brasil-França da Câmara, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) destaca que há importantes ensinamentos a serem aprendidos com a postura adotada pela esquerda francesa. Ela ressalta que a reação rápida foi fundamental para derrotar a extrema direita, o que representou uma vitória histórica e fez com que o povo francês despertasse para os perigos do extremismo. Lídice da Mata espera que essa experiência sirva de exemplo para órgãos e países como os Estados Unidos, América Latina e, especialmente, o Brasil, para que reflitam sobre os riscos representados pelo extremismo no mundo.

Lídice da Mata teve participação importante na elaboração da Constituição Federal de 1988 e possui uma longa trajetória de defesa das pautas da esquerda.

Mesmo com o triunfo do partido de esquerda, não conseguiu alcançar a maioria no parlamento. Das 577 cadeiras em jogo, o grupo obteve 182. Em segundo lugar, está a coalizão do presidente Emmanuel Macron, o Juntos, que conquistou 168 assentos. A extrema direita, que era apontada como favorita, garantiu 143 lugares no parlamento. Representantes de outras correntes políticas somaram 84 cadeiras.

Segundo Lídice da Mata, a surpreendente derrota da extrema direita merece destaque, pois, mesmo conquistando o terceiro lugar, houve um aumento na representação do segmento no parlamento francês. A proporção passou de 15,25% para 24,78%.

Penso que isso mostra a urgência de começarmos a debater no Brasil a criação de um programa ou plataforma que reúna diferentes segmentos democráticos e que garanta espaço para a esquerda. As coalizões amplas precisam ser formadas antes das alianças políticas voltadas para as eleições, de modo que os resultados possam refletir um avanço e uma vitória dessas forças com um programa unificado.

Segundo a deputada Sâmia Bomfim, filiada ao PSOL de São Paulo e membro da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, a vitória da esquerda na França traz ânimo para aqueles que atuam neste campo no Brasil. Ela destaca a importância desse fato ao demonstrar que, mesmo em cenários difíceis, quando os cidadãos assumem a responsabilidade de definir o futuro político do país, é possível criar soluções inesperadas. Isso indica que a população pode influenciar diretamente os caminhos da política.

A deputada não considera essencial a formação de uma frente ampla no Brasil para 2026, pois acredita que as eleições na França demonstraram que ainda há espaço para setores mais programáticos da esquerda na arena política. Em sua opinião, a esquerda radical é a alternativa, pois questiona o status quo e apresenta propostas mais ousadas, indo direto à raiz dos problemas e debates. Já existem alguns temas em discussão, como a PEC das Drogas, por exemplo. A deputada acredita que as eleições francesas podem servir de inspiração para lidar com essas questões de forma mais adequada.

Membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e atual vice-presidente da delegação brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul), Arlindo Chinaglia (PT-SP) destaca que a vitória da esquerda nas eleições do país europeu evidencia a importância de, no Brasil, o setor também direcionar de maneira mais intensa sua atenção para as demandas da classe trabalhadora.

Analisando a situação de um político como Macron, que segue políticas neoliberais e que vem acompanhando as piores decisões da Otan ultimamente, percebo uma mensagem: um governo que não atende aos desejos do povo pode ser substituído mais rapidamente do que no passado. Diante disso, acredito que não devemos desistir ou nos assustar com o barulho de uma pesquisa ou qualquer outra agitação. Mesmo que a esquerda saia enfraquecida, não temos outra opção: precisamos lutar.

Arlindo Chinaglia exerceu o cargo de presidente da Câmara dos Deputados de 2007 a 2009 e é considerado um dos parlamentares mais experientes do Congresso Nacional.

Segundo o petista, a esquerda deve focar em demandas que unam a classe trabalhadora, em vez de dividir a sociedade. Ele afirmou que a principal disputa é entre o capital e o trabalho, e que os grupos identitários não seguem o melhor caminho para a humanidade.

Acredito que as pessoas merecem melhor qualidade de vida. É importante reconhecer as dificuldades enfrentadas pelas culturas indígenas, a desigualdade racial, a misoginia sofrida pelas mulheres, incluindo a disparidade salarial e a sobrecarga de trabalho. Qualquer partido que se considere progressista deve apoiar essas causas, pois são justas. Contudo, centralizá-las como prioridade absoluta pode ser um erro. É necessário debater sobre isso, pois há um silêncio conivente e até certo receio de desagradar.

Chinaglia argumenta que a questão central gira em torno da desigualdade de forças entre os trabalhadores e os empregadores. Esse problema se agravou com a aprovação da reforma trabalhista do governo Temer, aprovada pelo Congresso em 2017. "É necessário ressaltar a importância do trabalho em relação ao capital e travar esse enfrentamento. Alguns dizem que, se o povo brasileiro compreendesse o conceito de mais-valia, ele seria capaz de iniciar uma revolução. Exageros à parte, é preocupante ver muitos milionários e bilionários no Brasil enquanto milhões de pessoas sofrem com fome, desemprego e condições de vida precárias. Para muitos, essa situação é aceitável. Quando menciono a disputa de valores, estou me referindo a isso também. Não basta apenas combater a pobreza. Isso é um grande avanço, um passo crucial, mas é fundamental valorizar o trabalho."

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