Copom define Selic enquanto gasto de governo com juros da dívida pública bate maior valor mensal em dois anos

1 Agosto 2024
Selic

Hoje à tarde, o Comitê de Política Monetária do Banco Central irá determinar a taxa básica de juros da economia nacional, a Selic. Na reunião anterior, realizada em junho, o comitê optou por manter a taxa em 10,5% ao ano. No mesmo mês, o setor público brasileiro destinou R$ 94,9 bilhões exclusivamente para o pagamento dos serviços financeiros relacionados à sua dívida, que é diretamente afetada pela Selic.

A despesa, revelada pelo Banco Central na segunda-feira (29), é a mais alta já registrada em um mês desde junho de 2022. Também é mais que o dobro do registrado em junho do ano passado (R$ 40,7 bilhões) e 27% maior do que o verificado em maio (R$ 74,4 bilhões).

Com o montante destinado apenas para cobrir os juros mensais da dívida pública, o governo federal teria condições de custear o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de R$ 1.412 por um ano para praticamente todos os 5,9 milhões de idosos que recebem benefícios do programa.

O planejamento inicial previa um investimento de R$ 103,4 bilhões com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em 2021. No entanto, houve uma revisão neste mês e o valor foi atualizado para R$ 111,4 bilhões. Diante disso, foi tomada a decisão de contingenciar R$ 15 bilhões em gastos, a fim de garantir o cumprimento das metas fiscais para 2024.

De acordo com o Banco Central, se o governo reduzir os gastos, uma diminuição de 1 ponto percentual na taxa Selic, mantida por um ano, poderia diminuir a dívida líquida do setor público em R$ 51 bilhões. Já uma redução de 0,5 ponto teria um efeito semelhante, diminuindo a dívida em aproximadamente R$ 25 bilhões.

A Taxa Selic é utilizada como parâmetro na economia do país e na emissão de títulos de dívida pelo governo para financiar suas operações. Portanto, variações para cima ou para baixo dessa taxa também impactam no custo dos juros e no montante total da dívida do Brasil.

Desde que assumiu a Presidência, em janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem pedido a redução da taxa Selic. Naquela ocasião, a taxa estava em 13,75% ao ano. A partir de agosto, começou a diminuir gradualmente até atingir 10,5% ao ano em maio.

Mesmo assim, o Brasil continua aumentando os gastos com juros da dívida pública. Isso ocorre principalmente devido aos altos prazos de vencimento dos títulos. Um investidor que adquire um título pré-fixado do governo pagando uma taxa de 13,75% ao ano continuará recebendo essa remuneração durante todo o prazo de validade do título, mesmo que a taxa Selic venha a diminuir.

No mês de junho, o valor total gasto pelo governo em juros nos últimos 12 meses atingiu R$ 835 bilhões. Este é o montante mais alto já registrado pelo Banco Central desde 2002, sem considerar a correção monetária. Em relação ao período anterior de 12 meses, houve um aumento de 30% nos gastos com juros.

"O investimento em juros está diretamente associado à taxa", disse Weslley Cantelmo, especialista em economia e líder do Instituto de Economia e Planejamento. "Adicionalmente, com taxas de juros mais altas, é provável que você também eleve o montante total da dívida."

No mês de junho, a dívida total do governo atingiu o patamar de 77,84% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Esta marca representa o maior percentual desde novembro de 2021, quando atingiu 78,2%. No decorrer do ano de 2020, em meio à pandemia, a dívida chegou a alcançar 87,7% do PIB.

Cantelmo apontou que essa situação gera uma contradição. Mesmo com o Copom e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicando que a Selic não pode diminuir devido ao aumento nos gastos do governo e os riscos de não cumprimento da meta fiscal, a manutenção da taxa acarreta um aumento nos gastos com juros e traz mais incertezas para as contas.

"É bastante intrigante. O que se fala comumente é sobre a necessidade de cortar despesas para diminuir a dívida. No entanto, o que realmente impacta diretamente na dívida é o seu custo, ou seja, a taxa de juros", zombou.

Maurício Weiss, um economista e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca ainda mais paradoxos nessa conjuntura.

Ele recordou que a taxa Selic é utilizada como base para determinar as taxas dos títulos da dívida pública. A taxa real é estabelecida no mercado, de acordo com a oferta e demanda. Quando os investidores estão confiantes na capacidade de pagamento do Brasil, eles aceitam uma remuneração menor para emprestar dinheiro ao governo. Por outro lado, se a confiança diminui, eles demandam uma remuneração maior, exigindo juros mais elevados.

Weiss declarou que ultimamente, Campos Neto tem levantado suspeitas sobre a viabilidade das finanças públicas em diálogo com representantes do mercado financeiro. Assim, ele está influenciando a favor do aumento dos gastos do Brasil com juros.

Weiss também mencionou que outros elementos contribuíram para a pressão nos juros no Brasil. "A manutenção da taxa de juros nos Estados Unidos e a incerteza eleitoral lá têm impacto. Os países emergentes estão sendo afetados por esses fatores", explicou. "Além disso, as declarações de Campos Neto reforçaram essa tendência."

Na terça-feira (30), Campos Neto foi alvo de manifestações promovidas por sindicatos em 11 capitais brasileiras, exigindo uma redução na taxa de juros.

Josué Gomes, líder da Fiesp, criticou a atuação política de Campos Neto, indicado por Bolsonaro, à frente do Banco Central, e também manifestou preocupação com as taxas de juros.

"Ele escolheu por conta própria uma posição política. Se retirarem a independência do Banco Central, a responsabilidade será totalmente do Campos Neto", declarou Gomes, destacando que o presidente do BC votou em 2022 trajando uma camiseta da equipe nacional brasileira.

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