Athletic x Real Sociedad: um dérbi marcado pela rivalidade amena e pelo nacionalismo basco

Real Sociedad

Em 13 de janeiro de 2024, às 06:00 horas.

O futebol é um esporte que se caracteriza por intensas disputas. Por vezes, essas competições transcendem o próprio campo, incorporando questões que abrangem política, sociedade e até mesmo religião. No entanto, há uma situação singular em que a rivalidade esportiva cede espaço a algo maior.

No próximo sábado (13), será disputado o clássico entre Athletic Bilbao e Real Sociedad pela 20ª rodada da LALIGA no Estádio San Mamés, em Bilbao. A partida será exibida pela ESPN no Star+ às 14h30 (horário de Brasília). É notório que o derby basco se caracteriza pela reverência mútua entre as torcidas e pela representatividade da causa basca.

Na Espanha, é comum lidar com grupos separatistas. No momento, uma das questões políticas mais discutidas pelos cidadãos é a decisão do primeiro-ministro Pedro Sánchez de conceder anistia aos independentistas catalães responsáveis pela convocação de um referendo em 2017 que visava a independência da região. Essa anistia foi concedida em troca do apoio necessário para formar um novo governo com maioria no congresso.

Ao longo da história, o País Basco desponta como a comunidade autônoma mais engajada com movimentos separatistas. Apesar do passado conturbado, marcado por violentos ataques do extinto grupo ETA, atualmente, o futebol se consolida como uma das principais plataformas de divulgação e protesto desse movimento.

O jogo é especial para os habitantes da região basca e para os fãs do Athletic e da Real Sociedad. Entretanto, a atmosfera é marcada pelo respeito mútuo, tornando este dérbi mais saudável do que outros exemplos no futebol espanhol e europeu. Obviamente, todos desejam vencer e fazer brincadeiras com o rival durante a semana. No entanto, de alguma maneira, este clássico é menos agressivo do que outros que são conhecidos por suas atitudes negativas. Ander Herrera, oriundo de Bilbao e agora jogador do Athletic novamente depois de nove anos no Manchester United e Paris Saint-Germain, explica isso.

O sentimento é compartilhado do outro lado do clássico, segundo o ídolo do Real Sociedad e o oitavo maior goleador da história do clube com 92 gols, Mikel Oyarzabal, durante uma entrevista exclusiva com a ESPN. "É uma partida repleta de paixão e sentimentos, mas com um grande nível de respeito. É vivida de uma maneira muito especial tanto para nós quanto para eles, e as pessoas se respeitam muito. As torcidas são exemplos na conduta e, para mim, isso é fundamental".

Os assentos do San Mamés estarão lotados com bandeiras da região Basca e com emblemas que representam a cultura local, tais como a txapela, um chapéu tradicional usado pelos bascos.

A Espanha é fragmentada em unidades autônomas, comparáveis aos estados do Brasil. O Território Basco é um desses agrupamentos, entretanto a explicação acerca de sua área e forma de surgimento transcende os limites geográficos atuais.

Em idioma nativo, os bascos se referem a esta área dentro do território espanhol como Euskadi. No entanto, existe um conceito mais amplo do estado basco que abrange a Navarra, onde se encontra o Osasuna em Pamplona, juntamente com uma região do sul da França - Bixente Lizarazu, campeão mundial pela seleção francesa em 1998, é de origem basca. Este território maior é chamado de Euskal Herria pelos habitantes da região.

Isso tudo resulta em uma situação em que os torcedores do Athletic não veem a Real Sociedad como sua principal rival e sim o Real Madrid, da capital espanhola, por razões políticas, sociais e uma rivalidade esportiva historicamente maior. "Quando eu cheguei no Athletic, os torcedores me disseram que os jogos mais importantes da temporada são contra o Real Madrid e o Barcelona. É nesses jogos que os torcedores mais desejam uma vitória", relembra Ander Herrera.

Os visitantes do derby basco rapidamente captam o sentimento predominante entre as multidões. Isso foi evidente no caso do escocês Kieran Tierney, que fez sua primeira aparição no clássico pelo Real Sociedad no primeiro turno, que terminou em uma vitória por 3 a 0. Infelizmente, o ex-jogador do Celtic e do Arsenal sofreu uma lesão ainda no primeiro tempo. No entanto, em conversa com a ESPN, ele relembrou toda a atmosfera emocionante em San Sebastián. "Aquele jogo foi muito especial, o estádio estava repleto de emoção... Ambos os times queriam vencer, é claro, mas acho que dentro dos corações dos torcedores existia um respeito mútuo, porque todos nós somos bascos".

Com apenas 26 anos de idade, Tierney já experimentou algumas das maiores rivalidades do futebol. Tendo-se formado nas categorias de base do Celtic FC, já enfrentou várias vezes o Rangers FC. E, como escocês, possui um conhecimento ímpar sobre o peso social e religioso que envolve essa batalha histórica na Escócia entre católicos e protestantes. Em solo inglês, Tierney tem representado o Arsenal FC nos duelos contra o Tottenham Hotspur FC. Embora ele próprio admita que não há como comparar a rivalidade entre Celtic e Rangers com qualquer outro jogo, ao sentir a tensão, a atmosfera e o impetuoso desfecho dos três dérbis que ele já participou, incluindo o confronto entre Arsenal e Tottenham, o que realmente importa é a vitória.

Ao contrário do Athletic, a Real Sociedad recorre a jogadores estrangeiros em sua lista de jogadores. A equipe de Bilbao adota exclusivamente jogadores com raízes bascas ou treinados na área. Mas em ambas as circunstâncias, não houve sempre tal política.

O Athletic surgiu em 18 de julho de 1898 graças à união de trabalhadores britânicos que trabalhavam no porto de Bilbao e estudantes bascos que voltaram da Inglaterra. Nos primeiros anos, contou com a participação de jogadores e líderes britânicos, mas em 1912, a nova política nacionalista foi implementada. Já a Real Sociedad foi formada em 7 de setembro de 1909 por estudantes que voltaram à região e seguiu a política do Athletic por muitas décadas. No entanto, em 1989, mudou sua postura ao contratar o atacante irlandês John Aldridge. Desde então, tornou-se atraente para diversos jogadores estrangeiros, incluindo brasileiros como Willian José, Rafinha Alcântara e Sávio.

"É uma situação complexa, somos únicos no mundo. Embora exista algo semelhante ao Chivas, de Guadalajara, que atua em todo o México, alcançando mais de 100 milhões de pessoas. Porém, somos exclusivos, pois atendemos a uma população de apenas três ou quatro milhões de pessoas, o que acredito que nos torna ainda mais especiais. É uma relação muito especial, que faz com que nossa torcida se sinta parte de nossos sucessos e fracassos. É fascinante que um fã possa conhecer um jogador do elenco, um parente, alguém da mesma vizinhança, da mesma cidade ou que tenha estudado na mesma escola, compactuando com nossa filosofia de ver o futebol da maneira mais bonita possível. Qualquer admirador do esporte sabe demonstrar carinho por este clube que enxerga a beleza do futebol de uma maneira tão apaixonada", resumiu Ander Herrera.

O Athletic é um dos times fundadores da LALIGA, juntamente com o Real Madrid e o Barcelona, que nunca foram rebaixados para a segunda divisão. Isso os coloca em um grupo seleto.

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