Comitê dos EUA defende até grupo neonazista para atacar Alexandre de Moraes e o Brasil

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Comitê dos EUA

O Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos apresentou um relatório que traz à tona as decisões secretas do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o X, a antiga plataforma Twitter, e outras mídias sociais. O documento destaca que os ataques à liberdade de expressão no exterior devem ser um sinal de alerta para os americanos.

Comitê dos EUA - Figure 1
Foto The Intercept brasil

A sentença mencionada no relatório é breve, mas ilustra até que ponto a extrema direita mundial pode chegar para retomar o controle. A extraordinária divulgação do conteúdo, além de evidenciar desdém pelo sistema judicial brasileiro, também prova que defender grupos neonazistas é algo considerado válido para reassumir o poder. Um exemplo disso é o Era Fascista, um dos canais no Telegram que foi suspenso pelo Ministro Alexandre de Moraes, mas que defensores de Bolsonaro e parlamentares dos Estados Unidos continuam a apoiar de forma radical.

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Antes de mergulhar nas críticas às decisões judiciais, é importante ser transparente: o conteúdo do material é um claro exemplo de manipulação da opinião pública. Elaborado por um comitê republicano majoritário, o relatório apresenta um texto introdutório de oito páginas que resulta, essencialmente, em um panfleto. Tal documento retrata o cenário brasileiro de forma equivocada, a fim de descredibilizar Joe Biden, que é o principal oponente de Donald Trump nas próximas eleições.

O título do documento apresentado pela plataforma X, de Elon Musk, é revelador: "A agressão à liberdade de expressão no exterior e a falta de resposta da gestão Biden: a situação no Brasil". Uma outra parte do texto evidencia os intentos dos políticos que apoiam Trump: retomar o poder. "O Congresso deve levar a sério as advertências do Brasil e de outras nações que procuram reprimir a liberdade de expressão na internet. Jamais devemos supor que isso não pode acontecer em nosso país".

O presidente do comitê é Jim Jordan, um republicano conhecido como um dos líderes mais proeminentes da extrema direita americana. Em 2022, a CNN divulgou que Trump conversou com Jordan por 10 minutos, de dentro da Casa Branca, na manhã de 6 de janeiro - pouco antes do ataque ao Capitólio. Naquela tarde, Jordan apareceu na plenária da Câmara para se opor à confirmação de Biden como presidente.

O dilema consiste no fato de que o artigo escrito por Jordan referente ao Brasil não apresenta um arcabouço metodológico que sustente as conclusões graves aludidas, além de trazer uma perspectiva equivocada acerca dos documentos vazados por Elon Musk. Os parlamentares dos Estados Unidos não levam em consideração os princípios legais e constitucionais brasileiros que fundamentam as medidas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a fim de combater a desinformação e preservar a democracia - haja vista o risco iminente de um golpe após a eleição de Lula.

O foco do texto é a simplificação exagerada de 88 decisões do sistema judiciário do Brasil, as quais são erroneamente retratadas como uma tentativa de suprimir a liberdade de expressão. O relatório apresenta todas essas medidas de maneira equivocada como se estivessem sob a responsabilidade de Alexandre de Moraes, ignorando as circunstâncias individuais de cada caso. Muitas dessas decisões estão relacionadas a incitações específicas e conscientes a favor de um golpe de estado.

Um exemplo que ilustra a gravidade das publicações rejeitadas no Brasil é a decisão do influenciador Ed Raposo. No despacho de Moraes que determinou a suspensão de suas contas, destacam-se algumas declarações dos tweets, tais como: “Caso o TSE rejeite, entra em cena o poder moderador”. “Moraes não irá ceder, é importante que todos saibam disso. A solução será outra”. “Bolsonaro não obteve 51% dos votos, ele teve PELO MENOS 51%”.

A verdade é que o conteúdo minimiza os perigos à democracia nacional - o que denota, no mínimo, uma total falta de sintonia com a atualidade política e jurídica brasileira. Na pior das hipóteses, aceita com naturalidade os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 em nosso país.

Assim, o comitê se posiciona ao extremismo mais evidente da direita radical do Brasil. É importante destacar que o senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí, que é um dos principais aliados de Bolsonaro, tem perspectiva contrária ao posicionamento dos legisladores norte-americanos. Em uma entrevista com o jornal The New York Times, publicada em janeiro deste ano, o senador se pronunciou a favor do aumento da severidade do Brasil em relação às ameaças de golpe.

Nogueira afirmou que os Estados Unidos nunca passaram por um regime ditatorial ou período autoritário, e que jamais desejam experimentar tal situação em seu país novamente. Em uma reportagem relacionada, Steven Levitsky, professor da Universidade de Harvard e autor do livro "Como as Democracias Morrem", destacou que Ciro Nogueira e outros líderes da direita no Brasil "concordaram publicamente com os resultados das eleições", em algo bastante contrário ao que os republicanos fizeram.

Porém, o relatório realizado também não leva em conta a seriedade de outros problemas enfrentados pelo STF, como o neonazismo. Um dos grupos que Moraes ordenou o bloqueio, por exemplo, tem como denominação: "Era Fascista".

A propósito, Letícia Oliveira, uma jornalista que monitora grupos extremistas, divulgou capturas de tela nas quais um dos administradores de um grupo neonazista, supostamente, que abrigava mais de 900 pessoas, solicitava aos seus membros que enviassem mensagens e fizessem ligações para o número de Alexandre de Moraes - uma prática conhecida como doxxing, ou seja, assédio online, o que configura um ato criminoso.

Um trecho do relatório tem causado indignação entre os seguidores de Bolsonaro, devido a uma suposta ordem dada por Moraes para que as empresas ocultem as determinações judiciais durante a remoção de perfis. Contudo, essa justificativa foi desmentida em poucos minutos.

Na noite passada, o advogado Marcelo Feller afirmou que é comum na justiça criminal a exigência de que uma empresa obedeça a uma ordem e mantenha sigilo acerca desta. Centenas de juízes tomam decisões semelhantes diariamente. Tentar transformar tal acontecido em algo notável só pode ser considerado como má-fé ou falta de conhecimento. Não há opção intermediária.

Em reação a um seguidor, foi necessário esclarecer algo que deveria ser evidente: as escolhas de Moraes são suscetíveis a questionamentos, contudo, devem ser coerentes. "É possível criticar o ministro Alexandre por diversos aspectos. Porém, sugerimos estudar antes de fazê-lo para fundamento da crítica. E alicerces plausíveis existem", replicou Feller.

A ex-secretária de Direitos Digitais do governo Lula, a advogada Estela Aranha, concordou com esse ponto de vista. Ela afirmou que até empresas americanas permitem que os usuários alvos da justiça não sejam informados das decisões: "Todos os formulários de atendimento ao 'law enforcement' das redes sociais incluem um campo que exige que a autoridade que solicita informações ou exclusão de conteúdo declare se essa solicitação deve ser mantida em sigilo ou não em relação ao usuário".

Diariamente, são feitas solicitações para excluir conteúdo ou informações em dados, como por exemplo, o conteúdo relacionado ao abuso sexual infantil, também conhecido como pedofilia. É impossível avisar o proprietário da conta sobre a investigação em andamento, pois isso poderia resultar na eliminação de todas as evidências.

A perspicácia de Aranha e Feller nos remete à enorme incongruência da ausência de uma consulta aos especialistas brasileiros durante a confecção do relatório. A omissão de vozes conhecidas da realidade jurídica e política brasileira afeta negativamente qualquer suposta intenção benéfica que pudesse ser vislumbrada.

O relatório fere a ética da informação ao deixar de ser honesto em relação aos dados e ainda comete o erro de dar preferência a fontes e evidências que sustentam suas teorias pré-concebidas, enquanto ignora outras que poderiam contradizê-las e colocar em xeque sua objetividade e imparcialidade. O perfil no Twitter de Jordan, líder do comitê, é a fonte mais citada nas referências bibliográficas da pesquisa, recebendo sete referências.

Ao considerar essa situação, é importante fazer uma observação e um aviso. A observação é que o documento do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos constitui uma tentativa evidente de manipulação política. Por outro lado, o aviso é que atualmente há uma estratégia global em andamento para facilitar o retorno do extremismo político de direita ao poder.

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