Papelaria alega 'princípios cristãos' e se nega a atender casal homossexual

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Jurgenfeld Ateliê

Um casal em São Paulo foi alvo de uma atitude homofóbica quando uma loja se recusou a criar convites para casamento homossexual. O Ateliê Jurgenfeld, culpando seus "princípios cristãos", justificou a recusa nas redes sociais. Depois que o incidente ganhou ampla repercussão nas mídias sociais, a loja alegou ter sido alvo de "heterofobia". O incidente ocorreu na terça-feira, dia 23.

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Foto Carta Educação

Henrique Nascimento entrou em contato com um estabelecimento de arte por meio do aplicativo WhatsApp para solicitar orçamentos de variados modelos de convites para a celebração de seu matrimônio com Wagner Soares. De acordo com a pessoa lesada, o atendimento transcorreu de forma habitual até o momento em que ele mencionou o nome de seu noivo, a partir do qual deixou de receber qualquer resposta. Passadas algumas horas, a atendente enviou uma mensagem com a informação que não estavam aptos a criar "convites para casais homossexuais".

Durante a madrugada de quarta-feira, dia 24, o casal apresentou uma queixa policial no 73º Distrito Policial do Jaçanã, acusando um ateliê de crime de LGBTfobia. Ademais, eles emitiram uma reclamação online depois que o empreendimento expôs o número de telefone privado de Henrique na rede social Instagram. O casal será interrogado no DHPP na quinta-feira, dia 25, a fim de instaurar uma investigação criminal.

As mensagens da loja deixam evidentes a homofobia, mas há também uma violação dos direitos do consumidor. Paulo Iotti, um especialista em leis relacionadas à diversidade sexual e de gênero, argumenta que a liberdade religiosa mencionada neste caso não pode sobrepor-se automaticamente ao direito de não sofrer discriminação, que também é garantido pela Constituição. Portanto, é necessário encontrar uma solução pacífica entre esses dois direitos.

Destaca-se que a liberdade religiosa não assegura o direito de escolher um tipo específico de serviço no mercado consumidor. Embora exista a liberdade para praticar sua religião, é importante não usar sua crença para promover qualquer tipo de discriminação.

Ademais, ele ressalta que criar um convite de casamento para um casamento entre pessoas do mesmo sexo não significa, de maneira alguma, aprovar ou concordar com tal união. Nesse sentido, a liberdade religiosa do provedor do serviço não é violada. Já a recusa em oferecer o serviço afeta diretamente aqueles que são vítimas de discriminação.

Jurgenfeld Ateliê - Figure 2
Foto Carta Educação

Iotti explica que a lei permite que se recuse a prestação de serviços que claramente propaguem discurso de ódio ou discriminação. Contudo, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor proíbe atitudes abusivas como, por exemplo, negar a venda ou o oferecimento de serviços a consumidores que estão dispostos a pagar, com base na sua orientação sexual. Além disso, em São Paulo, uma lei estadual, a Lei 120948/2001, penaliza atos discriminatórios, incluindo os que são cometidos contra a comunidade LGBT e prevê penalidades que vão desde advertências até multas.

Após a divulgação do ocorrido nas mídias sociais, o casal que é dono do ateliê divulgou um vídeo, junto com uma 'declaração de rejeição', confessando-se como cristãos e renovando seu compromisso de praticar 'princípios' que incluem a decisão de não oferecer serviços para cerimônias matrimoniais ou ocasiões relacionadas à homossexualidade.

Um segmento do vídeo destaca que não concordam com essa ideia. Eles acreditam que Deus criou o homem e a mulher para que, juntos, formassem uma família. Na legenda que acompanha o vídeo, os proprietários do ateliê também afirmaram ser vítimas de discriminação contra os heterossexuais.

Será que a "heterofobia" existe? Essa é uma pergunta que deveria ser considerada nos livros de filosofia deste século, dado o grande número de atitudes bárbaras que temos presenciado. [...] Quando iniciamos nosso empreendimento, estabelecemos princípios pelos quais lutaremos até o fim, independentemente da opinião da maioria da sociedade ou de qualquer conversa fiada que esteja na moda atualmente.

Se a nossa companhia fosse exclusivamente focada em cerimônias de matrimônio entre pessoas do mesmo gênero, possivelmente estaríamos seguindo padrões politicamente corretos e obtendo lucros consideráveis por parte de um público consumidor de mídias mainstream como a Globo e ouvintes de artistas como Anita. Contudo, essa não é a realidade vigente no presente contexto.

Contudo, a postagem foi removida em poucas horas. A equipe da CartaCapital buscou o Ateliê Jurgenfeld para comentar o ocorrido, porém, não houve resposta.

Nesta quarta-feira, 24, a parlamentar Erika Hilton (PSOL-SP) requisitou ao Ministério Público de São Paulo a abertura de uma investigação referente à denúncia apresentada pelo casal. No requerimento, redigido com o auxílio da militante Amanda Paschoal, as duas clamam pelo esclarecimento de um caso de "evidente discriminação homofóbica".

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