Antes de abordar questões problemáticas, o Papa Francisco insiste na sinodalidade. Artigo de Thomas Reese

Papa Francisco

A reunião sobre a colaboração em sínodo é uma oportunidade interessante de experimentação, porém me preocupo que possa se tornar ineficiente caso os bispos regionais não adotem a sinodalidade com entusiasmo, como fez Francisco. Receio que a própria reunião gere poucos resultados tangíveis, ficando as conquistas sob responsabilidade do próximo líder católico. Oro para que minhas suspeitas estejam equivocadas.

O artigo de Thomas Reese, um jesuíta dos Estados Unidos que já foi editor-chefe da revista America e escreveu o livro "O Vaticano por Dentro" (publicado pela Edusc em 1998), foi publicado no National Catholic Reporter em 25 de março de 2024.

O Papa Francisco gerou grandes expectativas com o seu Sínodo sobre a Sinodalidade, no entanto, ele decidiu adiar várias questões polêmicas que foram levantadas pelos católicos leigos durante esse processo. À próxima sessão do sínodo, que ocorre em outubro, não serão discutidos os temas de padres que se casam e bênçãos para casais do mesmo sexo, enquanto a possibilidade de diaconisas será destinada aos grupos de estudos. Na prática, Francisco está transferindo para o seu sucessor a responsabilidade de resolver questões que ele iniciou.

O Sínodo sobre Sinodalidade foi um procedimento de três anos de consulta, coletando contribuições através de seções de escutas ao redor do globo. Em Roma, a primeira assembleia do Sínodo ocorreu em outubro passado. Foi permitido aos homens e mulheres leigos votarem ao lado dos bispos, e as mesas redondas foram organizadas em grupos de 10 para "discussões em Espírito", onde todos possuíam igualdade de voz.

No mês de novembro, o documento referente à assembleia realizada no mês de outubro forneceu sugestões ao pontífice e solicitou mais análises e debates em relação a certos assuntos. Já em 14 de março, o Secretariado Geral do Sínodo apresentou a resposta do papa ao relatório da assembleia, esboçando uma estratégia para o porvir do sínodo.

O departamento administrativo deixou evidente que o sínodo tem como objetivo discutir a sinodalidade, e não outras questões. O enfoque, segundo o departamento, estará em "como garantir a participação de todos, com suas diferentes vocações, dons e funções ministeriais, na única tarefa de proclamar Jesus Cristo para o mundo". Em resumo, o sínodo se concentrará em como ser uma igreja sinodal e não irá abordar temas controversos.

Os tópicos que diversos indivíduos estavam ansiosos para debater neste outono serão encaminhados para 10 equipes de estudo integradas por teólogos, especialistas e agências do Vaticano. A maior parte dessas questões são de enorme abrangência e vêm sendo discutidas há várias décadas: capacitação sacerdotal, relações entre as igrejas orientais e ocidentais, vínculos entre bispos e religiosos, a população carente, a função do bispo, a função dos representantes papais e ecumenismo.

Existem diversos registros do Vaticano acerca desses assuntos, e inclusive já houve sínodos anteriores dedicados a eles. O desejo é abordá-los com uma abordagem sinodal inovadora.

Um conjunto irá se aprofundar na temática das diáconas, investigando aspectos teológicos e canônicos relacionados ao ministério. Paralelamente, um segundo grupo examinará perspectivas teológicas e sinodais para temas doutrinários, pastorais e éticos delicados.

O assunto que está sendo abordado em um grupo de estudos é inédito: a missão da igreja no ambiente virtual. Mesmo assim, essa temática já vem sendo discutida há anos no Vaticano.

É exigido que cada equipe de pesquisa finalize suas atividades até junho de 2025. Entretanto, é pouco provável que dentre eles haja uma solução alcançada durante o atual pontificado.

O sínodo não seria capaz de abordar todas essas questões, por isso é justificado encaminhar algumas delas para uma análise mais profunda. No entanto, muitas vezes as organizações evitam tomar decisões ao estudá-las até a exaustão. É possível que o equívoco esteja em aguardar por soluções abrangentes em vez de dar pequenos passos em direção a uma solução.

Na próxima sessão sinodal, abordar-se-ão somente algumas questões, deixando outras de fora. Quando questionado a respeito, o Cardeal Mario Grech, secretário-geral do Secretariado do Sínodo, afirmou que o assunto sobre padres casados "não foi discutido". Em consequência, não foi designado a nenhum grupo para investigação posterior.

O argumento de Grech é válido ao afirmar que apenas alguns membros do sínodo tocaram no assunto dos sacerdotes casados, que também não foi citado no relatório final. As discussões foram predominantemente focadas em outras questões, como a inclusão de diaconisas, o acolhimento pastoral da comunidade LGBTQ+ e a participação ativa dos fiéis na tomada de decisões eclesiásticas.

Contudo, é crucial lembrarmos que a ordenação de homens casados foi uma questão significativa discutida no Sínodo da Amazônia de 2019. Na ocasião, ficou claro que essa questão não poderia ser solucionada sem uma ampla consulta dentro da igreja. O Sínodo sobre a Sinodalidade seria a oportunidade apropriada para realizar essa consulta.

Os delegados do sínodo devem sentir-se envergonhados por não terem abordado o assunto. Possivelmente, na consulta sinodal que contará com a presença de 300 padres paroquiais em Roma de 28 de abril a 2 de maio, tal questão seja mencionada. Este será o último momento oportuno para colocá-la na agenda do sínodo.

Conforme o secretariado informou, não haverá uma nova análise da bênção conjugal para casais do mesmo sexo, pois o papa e o Dicastério para a Doutrina da Fé já trataram do assunto no documento "Fiducia Supplicans". O papa não deseja que essa questão traga mais controvérsia, já que causou conflitos entre a igreja africana e a igreja europeia.

A sinodalidade sempre foi enfatizada pelo papa no sínodo, deixando de lado as questões controvertidas. Ele tem a convicção de que a Igreja é capaz de se tornar sinodal antes de tratar dessas questões. Para alcançar esse objetivo, precisamos aprender a nos ouvir mutuamente, manter conversas iluminadas pelo Espírito e aprender a discernir a presença do mesmo antes de abordar qualquer tema controverso.

Estou de acordo com a ideia de que uma igreja que praticasse a sinodalidade de forma genuína poderia lidar com mais facilidade com essas questões, mas será que devemos aguardar por essa igreja ideal?

Lamentavelmente, há muitos que encaram um Sínodo sobre Sinodalidade como uma espécie de "convenção sobre convenções", cujo objetivo seria aprender a ouvir e discernir. Para os americanos pragmáticos, estas reuniões são enervantes, pois nada de concreto é resolvido.

O problema reside no fato de que a visão do papa pode ser tão elevada que as chances de nos tornarmos uma igreja sinodal antes da segunda vinda de Cristo são praticamente inexistentes. É como pedir a uma família ou comunidade que se amem incondicionalmente antes de tomar uma decisão. Em instituições humanas, esse tipo de camaradagem é difícil de ser alcançado.

Compreendo e apoio o desejo de Francisco pela criação de uma igreja sinodal. Essa é uma meta de extrema importância, pois a igreja deve servir como um agente de união em nossos tempos. No entanto, alcançar a sinodalidade não é algo que possa ser alcançado simplesmente por meio de palavras em um relatório. É necessário que se experimente essa forma de atuação. Francisco busca envolver a totalidade da igreja, a começar pelas paróquias e dioceses, para que todos possam sentir como é estar dentro de um ambiente sinodal.

Será que podemos tratar de assuntos relevantes na igreja e, ao mesmo tempo, aprender a tornar nossos processos mais sinodais? Decerto que não seremos capazes de adotar uma postura sinodal enquanto negligenciamos questões espinhosas e as varremos para debaixo do tapete. Tal comportamento é completamente oposto à ideia de sinodalidade.

Neste momento, sinto-me como se estivesse no navio Titanic, observando a tripulação se unir para discutir sobre a importância de ouvir uns aos outros. Milhões de fiéis católicos estão deixando a igreja - o que pode resultar em breve em uma América Latina predominantemente não católica. A igreja europeia tem lutado para sobreviver há décadas, enquanto o futuro da religião nos Estados Unidos também parece incerto e desanimador.

Francisco não tem culpa de tudo isso, já que esses fatos vêm acontecendo desde antes de sua nomeação como papa. No entanto, o que se nota é um ímpeto cada vez mais forte de busca pela eucaristia em todo o mundo, enquanto os líderes da igreja resistem em contratar mais pessoas para atender a essa demanda, alegando que são casados, mulheres ou gays. Muitas áreas rurais passam longos períodos sem a visita de um padre, obrigando os católicos a se dirigirem aos poucos serviços religiosos disponíveis, normalmente organizados por ministros cristãos evangélicos ou do movimento pentecostal.

A reunião acerca da sinodalidade é um teste que merece ser realizado, entretanto, minhas preocupações surgem sobre a possibilidade deste empreendimento fracassar se os líderes eclesiásticos não seguirem as orientações de Francisco e aderirem à sinodalidade. Existe a possibilidade real de que poucos avanços ocorram nessa reunião e que as mudanças desejadas só ocorram com a próxima liderança papal. Mesmo assim, mantenho esperanças de que minha opinião esteja equivocada e oro para que isso seja verdade.

Caso detecte equívocos de ordem linguística, informacional ou de natureza técnica nesta página, por gentileza, notifique a equipe editorial.

Antes de lidar com questões delicadas, o Papa Francisco enfatiza a importância da sinodalidade. Este é o ponto levantado por Thomas Reese em seu artigo para o Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

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