Revolução dos Cravos abriu as portas para esquerda brasileira no exílio e inspirou luta contra a ditadura

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Revolução dos Cravos

No início do dia 25 de abril de 1974, forças armadas progressistas derrubaram a tirania salazarista que controlou Portugal por mais de quatro décadas. O movimento conhecido como Revolução dos Cravos não só introduziu a democracia no país, mas também assegurou a independência das ex-colônias africanas – cujas lutas pela liberdade foram fundamentais para o seu sucesso – e trouxe esperança para aqueles que ainda ansiavam pela liberdade, como nós. O Brasil de Fato fez algumas matérias para apresentar a história e comemorar o aniversário de 50 anos da Revolução dos Cravos. Clique aqui para conferir.

Em 25 de abril de 1974, os militares portugueses puseram fim à ditadura fascista em Portugal, dando início a um processo de instauração da democracia no país. Nesse mesmo período, o Brasil já havia completado dez anos sob o regime militar (1964-1985), enfrentando o auge da repressão.

Muitos dos ativistas políticos de esquerda, assim como artistas e acadêmicos que foram perseguidos pelo governo, deixaram o Brasil e se refugiaram no Chile sob a liderança socialista de Salvador Allende. Entretanto, quando houve o golpe no dia 11 de setembro de 1973, com a morte de Allende e o início da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), estes indivíduos se viram sem escolha a não ser buscar abrigo em embaixadas estrangeiras, como as da Argentina e França, usando estes espaços diplomáticos como refúgio.

Devido ao golpe, aqueles que não foram detidos viram-se obrigados a escapar do país ou buscar refúgio em embaixadas e esperar até que organizações internacionais chegassem a um acordo com o governo ditatorial do Chile para garantir a partida segura desses estrangeiros. Posteriormente, foram obrigados a deixar a Argentina o mais breve possível sob a condição imposta. Esses fatos foram explicados pelo historiador Rodrigo Pezzonia, autor do livro "Guarda um Cravo para Mim" (Alameda, 2019).

Depois de terem desconfiado da possibilidade de uma revolução de esquerda liderada pelos militares, muitos militantes brasileiros que estavam na Argentina acabaram escolhendo Portugal como destino para o exílio. Isso fez de Portugal uma "porta de entrada" para a esquerda na Europa. Apesar de muitos desses exilados terem seguido para outros países europeus, aqueles que permaneceram em solo português se uniram fortemente ao movimento das Forças Armadas e trabalharam lado a lado com os revolucionários em diversas áreas para dar vida à Revolução.

Assim que chegam em Portugal, as organizações de esquerda brasileiras rapidamente se juntam às suas "irmãs" portuguesas, incluindo o Partido Comunista Português (PCP) e os partidos brasileiros Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e União Democrática Popular (UDP). Além disso, ex-simpatizantes da esquerda armada brasileira que estão ligados a grupos como o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), VAR-Palmares (VPR) e a Aliança de Libertação Nacional (ALN) também se alinham ao Partido Socialista de Mário Soares após passarem por um processo extenso de autocrítica, conforme explicado por Pezzonia.

Talvez tenha sido esse grupo o mais influente na política brasileira proveniente de Portugal após a Anistia e a reorganização dos partidos. Foi através deste grupo e sua alinhamento com a social-democracia europeia, principalmente depois da chegada de Brizola em solo português, que a reorganização do trabalhismo culminou na formação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), bem como na introdução da social-democracia no Brasil.

Valerio Arcary, colunista do Brasil de Fato, professor emérito no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e militante da Resistência/Psol, foi um dos brasileiros que se exilou em Portugal em 1966, permanecendo no país europeu até 1978. Em sua coluna sobre o retorno do exílio, ele relatou que a grande maioria dos trotskistas de sua geração aprendeu que a luta pela revolução socialista era viável através da leitura de livros sobre a revolução de outubro e suas sucessoras. No entanto, Valerio aprendeu vivendo a revolução nos meses intensos do “verão quente” de 1974 em Lisboa.

As guerras de independência e o movimento negro no Brasil possuem uma forte conexão histórica. Durante o século XIX, ocorreram diversas rebeliões e conflitos armados no país, que tinham como objetivo libertar a nação do domínio português. Nesse contexto, a participação dos negros foi fundamental, pois muitos deles lutaram bravamente em prol da independência. Ao mesmo tempo, o movimento negro também se intensificava no Brasil, reivindicando mais direitos e igualdade social. Personagens importantes como Luiz Gama, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio lutaram incansavelmente pelo fim da escravidão e por uma maior inclusão dos negros na sociedade. Essas lutas culminaram na abolição da escravatura em 1888, mas ainda assim, a discriminação racial continuou a ser uma realidade no país. O movimento negro perseverou e continuou a lutar pelos seus direitos nas décadas seguintes, culminando na conquista de importantes avanços legais e sociais ao longo do século XX.

Além de terem um papel fundamental no desmantelamento da ditadura fascista e influenciarem diretamente o golpe militar que deu início à Revolução dos Cravos, as guerras de independência nas colônias portuguesas de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde também tiveram impacto significativo nas lutas da esquerda no Brasil, particularmente no movimento negro, de acordo com a historiadora Patrícia Teixeira Santos. Ela é professora na Universidade Federal de São Paulo e pesquisadora dos Estudos Africanos na Universidade de Bordeaux na França, e Departamento de Estudos Africanos na Universidade de Dehli (Índia).

São ações incrivelmente inspiradoras que fornecem energia para a manutenção da luta contra o racismo e um fortalecimento crucial da noção de um poder negro emergente e de um governo negro recém-estabelecido através da vitória sobre a exploração colonial e a ditadura. Para o movimento negro brasileiro, as batalhas pela libertação nacional oferecem apoio em meio à brutalidade da ditadura militar e incentivam a continuidade da militância, mesmo que secretamente, através de protestos e de diversas outras ações.

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