Amor Perfeito | Novela das 18 invoca poderes de Shonda Rhimes

20 Mar 2023
Amor Perfeito novela

O horário das 18 horas da Rede Globo passou por um episódio hediondo algum tempo atrás. Um episódio que parecia impensável diante da postura cada vez mais progressista da emissora: Nos Tempos do Imperador, antecessora de Além da Ilusão, além de não ser de nenhuma forma uma boa novela, terminou debaixo de uma série de denúncias de racismo que partiram não só da audiência da trama (chocada com a ignorância total de seus autores acerca do assunto), mas de seus próprios atores.

Quando a novela mostrou a protagonista Pilar (Gabriela Medvedovski) sendo hostilizada por ser branca dentro da comunidade negra de seu amado, o público acendeu todos os alertas vermelhos. Não muito depois disso, os próprios atores de Nos Tempos do Imperador começaram a fazer reclamações sobre tratamentos diferenciados entre pretos e brancos nos bastidores da novela. O diretor Vinícius Coimbra foi acusado de segregar atores pretos e usar termos racistas para se referir a eles. Considerando que a direção de núcleo da emissora foi avisada antes e mesmo assim não agiu, o cenário era lamentável.

A realidade em produções americanas, entretanto, tem começado a mudar. A série Bridgerton nasceu da gigante Shondaland, depois que sua chefona Shonda Rhimes assinou um contrato milionário com a Netflix. Shonda construiu seu império nos códigos de romance da série Grey’s Anatomy, uma produção que ainda precisava considerar brancos para papéis de destaque, mas que foi revertendo esse quadro conforme os anos passavam. Em Bridgerton, Shonda conseguiu dar um passo importante na abertura de escalações de personagens de destaque para atores que representavam diversidade étnica.

No drama histórico baseado nos livros de Julia Quinn, atores pretos foram escalados para personagens que seriam essencialmente direcionados para pessoas brancas. Assim, apesar de ainda termos a nobreza sendo retratada com atores brancos, também tínhamos atores pretos assumindo posições de realeza, para ilustrar um período da história onde isso era impossível. É uma espécie de licença poética, quando uma obra artística quebra os princípios da realidade para contar uma história independente de seu passado de segregação.

Amor Perfeito

A trama de Amor Perfeito é extremamente comum nas novelas: Marê (Camila Queiroz) e Orlando (Diogo Almeida) estão apaixonados e é claro que em novela alguém está disposto a separá-los. Nesse caso, trata-se de uma dupla, formada pela madrasta da moça, Gilda (Mariana Ximenes); e pelo ex-noivo dela Gaspar (Thiago Lacerda). Os dois armam para que Marê seja acusada de um crime e ela vai parar na cadeia. Lá, ela descobre que está grávida e após ter o bebê, acaba sendo separada dele, que é levado para a porta de um mosteiro, sendo criado pelos freis e padres do local.

Oito anos se passam e o público tem a história central prontinha; e que saiu de uma inspiração direta (mas livre) do clássico Marcelino Pão e Vinho, de 1950. O Marcelino de Amor Perfeito quer encontrar os pais, enquanto não sabe que sua mãe também está desesperada à sua procura. Os autores Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr, resolveram costurar uma trama mais enxuta, que apesar de ter essa natureza tão melodramática, foi construída como uma resposta do horário à necessidade de diversidade e respeito.

Assim como em Bridgerton, apesar de algumas posições da alta sociedade soarem impensáveis para pessoas pretas da época (a novela está nos anos 1930, que já são anos bem à frente da produção de Shonda), os atores pretos de Amor Perfeito ocuparão essas posições partindo desse mesmo princípio de liberdade artística. A novela até está disposta a falar de racismo, mas esses atores não estarão ali cumprindo uma agenda de representação escravocrata e de preconceito racial (que é onde eles geralmente são colocados em tramas de época).

Nos bastidores do evento de lançamento da novela, onde estivemos, ficou evidente que esse esforço se expande até mesmo a como esses atores estarão em cena, visualmente falando. Entre direção e equipe artística precisou haver um consenso a respeito dos cabelos dos atores, por exemplo. Ficou decidido que mesmo que os cabelos não correspondessem à época, eles seriam mantidos de acordo com a confortabilidade de cada ator. Assim, a história e o contexto ainda estarão ali como precisam estar, mas a produção começa a vencer algumas importantes barreiras conceituais.

Amor Perfeito estreia hoje, dia 20 de Março, sob a expectativa de que o hematoma provocado por Nos Tempos do Imperador seja vencido. Houve muito investimento até mesmo na estrutura da novela, que tem uma das maiores cidades cenográficas do horário das 18. A empresa quer que a novela impressione, que agrade, que flerte mesmo com a romântica – e equivocada – ideia do próprio título. É claro que não será tudo perfeito. Mas, ao menos dessa vez, tudo será respeitável.

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