Argentinos tomam as ruas e mostram força contra pacote neoliberal do governo Milei

Argentina

A mobilização da população em repúdio ao conjunto de medidas de ajuste neoliberal do presidente Javier Milei se espalhou pelas ruas de Buenos Aires e das principais cidades da Argentina na quarta-feira (24), em que ocorreu uma greve geral em todo o país. Aproximadamente 600 mil pessoas se reuniram nas ruas da capital e 1,5 milhão em todo o país, segundo estimativas dos organizadores.

De acordo com as autoridades federais, a presença de pessoas na manifestação em Buenos Aires era de 40 mil, mas a polícia relatou um número de 130 mil. Entretanto, a jornalista argentina Erika Gimenez, do portal ARG Medios, divulgou em depoimento ao Brasil de Fato que as estimativas não são precisas. Ela afirmou que havia muito mais pessoas do que o declarado pelo governo. A jornalista também acusa a administração de Milei de tentar vender rapidamente o país, mesmo após apenas 45 dias de mandato. Para ela, o atual governo não defende a maioria dos cidadãos e está trabalhando para deixar os ricos mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

Mesmo com a troca de insultos entre integrantes do governo e sindicalistas no dia anterior, incluindo ameaças de repressão com base no protocolo de segurança implementado pela administração Milei, o protesto foi realizado de forma pacífica, com o objetivo de pressionar o Congresso a rejeitar as propostas do governo. Isso ocorreu em um momento em que os deputados estavam discutindo acaloradamente sobre o assunto, sob pressão da bancada governista.

Milei tinha o objetivo de apresentar suas propostas no plenário nesta semana, mas agora mudou seus planos e sugeriu que o prazo seja adiado para a próxima terça-feira (30). Isso fez com que a esquerda considere a possibilidade de uma nova greve geral para a mesma data. Segundo o deputado Gabriel Solano do Partido dos Trabalhadores, a CGT deverá convocar uma greve mobilizada de 24 horas no dia da sessão na Câmara dos Deputados.

Ao cair da tarde, o chefe de estado encontrou-se com a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, na residência oficial de Olivos, a fim de discutir o desenrolar dos protestos do dia e planejar estratégias governamentais para implementar o seu programa.

Na metrópole mexicana, os cidadãos se uniram em apoio ao povo argentino, desfilando pelas ruas da cidade. A cena foi capturada por Rodrigo Oropeza, fotógrafo da agência AFP.

Na quarta-feira, foi convocada uma greve geral por Hector Daer, secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Em seu discurso, Daer enfatizou que a manifestação contou com a presença de pessoas de diversas vertentes políticas, incluindo membros e simpatizantes do partido União Cívica Radical (UCR), conservadores que representam uma das correntes mais antigas da política argentina.

"Juntos e com ordem, lutaremos para obter sucesso na revogação do Decreto e rejeição da Lei Ônibus", declarou, referindo-se às medidas apresentadas por Milei no começo de sua administração. "Não permitiremos recuos. Viva o movimento trabalhista argentino!", adicionou.

Embora as imagens da transmissão do evento mostrem a predominância de apoiadores do peronismo, o grupo político rival do radicalismo, que está ligado ao sindicalismo e foi derrotado por Milei nas eleições, o líder radical Ricardo Alfonsín também esteve presente. Ele disse porque seus aliados políticos também devem se juntar ao movimento.

Ainda não atingimos um patamar digno de vida, precisamos avançar mais. O problema é que Milei tem uma visão completamente oposta, defendendo um modelo neoliberal em que as grandes corporações ditam as políticas econômicas. Como não esperar o crescimento de radicalismos com tal cenário? Alfonsín acredita que o DNU é inconstitucional e, portanto, não deve ser aprovado. Ele também afirma que Milei precisa seguir os trâmites legais para alterar leis, apresentando um projeto com mais de 300 propostas para ser discutido em apenas 15 dias não é algo sério. O pacote de projetos de lei, conhecido como Lei Ônibus, é uma questão à parte.

A CGT fez uma declaração formal afirmando que a recente manifestação teve como objetivo proteger os direitos, manter a divisão de poderes, apoiar a democracia e defender a Constituição Nacional. "É importante que toda a classe trabalhadora tenha consciência da crise econômica e social que estamos enfrentando. Infelizmente, a inflação está corroendo os salários dos trabalhadores e fazendo com que os preços se tornem inacessíveis. No entanto, essa crise nunca pode justificar a violação dos direitos fundamentais de todos os cidadãos argentinos".

Através das plataformas de mídias sociais, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, acusou os manifestantes grevistas de estarem motivados pela defesa de benefícios pessoais: "Os líderes sindicais são membros de organizações criminosas, os gestores da pobreza são os juízes coniventes e os políticos corruptos - todos eles lutando desesperadamente para manterem seus privilégios em meio às mudanças que a sociedade democraticamente decidiu implementar, lideradas com determinação pelo presidente Milei. Nenhuma greve nos deterá, e nenhuma ameaça nos amedrontará".

A resposta da CGT contrapôs esta acusação com veemência. "Nós não defendemos favorecimentos ou privilégios excepcionais. Lutamos pelo direito de trabalhar com dignidade, obtendo uma aposentadoria justa, proteção social, cuidados médicos, prosperidade econômica, pleno aproveitamento dos nossos recursos naturais, a liberdade de expressão e protesto, além do desenvolvimento da cultura e da ciência."

O presidente da coalizão peronista União pela Pátria, Germátwitn Martinez, fez uma crítica a Milei por não estar em sintonia com o Congresso e por ameaçar os governadores de não transferir verbas para seus estados caso não apoiem seu plano de ajuste.

Durante seu pronunciamento, Pablo Moyano, líder dos caminhoneiros, manifestou seu descontentamento em relação à proposta de privatização de empresas estatais, direcionando sua mensagem aos deputados presentes. Ele enfatizou que a privatização não deve ser votada, visto que resultaria na demissão de milhões de trabalhadores e no favorecimento dos amigos do atual gerente do governo, que tem conexões com corporações tanto nacionais quanto internacionais. O presidente Milei também foi citado como um dos responsáveis pela situação.

Nesse contexto, expressou sua crítica aos legisladores peronistas da coalizão União pela Pátria, pela forma como se comportam nas discussões a respeito da privatização. Segundo ele, esses legisladores estariam utilizando a YPF, empresa estatal de petróleo, como uma "moeda de troca", impedindo sua privatização, mas permitindo a venda de outras empresas governamentais. Ele enfatizou que é necessário manter os princípios do peronismo e que as empresas estatais, tais como Aerolíneas Argentinas, Trenes Argentinos, Radio Nacional, as rodovias e o Banco Nación, são intocáveis.

A política Teresa García, representante da província de Buenos Aires e membro da coalizão peronista Frente de Todos, expressou uma opinião semelhante em uma entrevista de rádio. De acordo com ela, "qualquer político peronista que vote a favor dessa lei estará traindo sua própria essência e a nação como um todo".

Moyano expôs outro assunto relacionado à proposta do governo que visa a aplicação de tributação sobre trabalhadores que recebem um salário a partir de 1,35 milhão de pesos brutos, uma faixa isenta até o momento. Ele declarou: “Governadores, deputados e senadores, não se arrisquem a implementar novamente o imposto aos trabalhadores. Se são verdadeiramente corajosos, apliquem a tributação sobre grandes fortunas, aumentem as retenções e imponham retenções nas mineradoras!”.

Desde cedo, a ministra Bullrich esteve presente na operação rigorosa que foi implantada nos acessos à capital federal e nas estações de trem. Durante esta ação, os veículos foram minuciosamente revistados e a documentação dos indivíduos foi cuidadosamente verificada. Este foi o maior desafio que Milei enfrentou nas ruas desde o início do seu mandato em 10 de dezembro do ano passado.

Apesar da quantidade considerável de agentes de segurança, as autoridades nacionais e municipais de Buenos Aires não conseguiram impedir o fechamento de ruas, principalmente nas imediações do Congresso Nacional. A Avenida de Mayo e a 9 de Julio ficaram intransitáveis devido à grande quantidade de pessoas que participavam da manifestação.

'O rendimento não é suficiente'

Apesar da manifestação estar marcada para o meio-dia, durante a manhã diversas pessoas já se encaminhavam em direção à Praça do Congresso, ponto de encontro para o protesto na cidade principal do país, onde os legisladores estão em intensas negociações para decidir a aprovação ou não das medidas propostas pelo governo no momento atual.

Uma das manifestantes, que foi entrevistada pela emissora C5N, explicou que a razão de ela estar protestando era porque seu salário não cobria todas as suas despesas e o aluguel estava muito caro. Ela confessou ter um emprego, mas não foi trabalhar para apoiar a causa. A moradora de Lugano, que é um bairro localizado a 50 minutos de carro e 3 horas de caminhada do Congresso, não se importou com o fato de os transportes públicos pararem de funcionar às 19h por conta da greve. "Eu voltarei andando, não há problema, porque esta greve é muito importante".

Às 13h30, o membro do Mercosul Franco Metaza, ativo na organização política La Cámpora, informou ao Brasil de Fato que estava chegando à praça do Congresso. Segundo ele, grandes aglomerações estão se movimentando em uma jornada histórica convocada pelos sindicatos argentinos e apoiada pela ampla maioria do povo, com a participação de todos os setores sociais da Argentina.

O principal intuito da manifestação é confrontar o "austeridade implacável que Milei está impondo aos trabalhadores argentinos, respaldado por Mauricio Macri", afirmou, fazendo menção ao ex-presidente (2015-2019). De acordo com o orador, em apenas um mês, a austeridade ocasionou a redução pela metade no poder de compra dos argentinos, que já estava em estado precário. "Nós estamos atualmente vivendo com menos de 100 dólares por mês", declarou.

Segundo Metaza, a redução da qualidade de vida da população não é uma falha na administração política. Ele acredita que isso faz parte do plano do governo, que está sendo executado perfeitamente. O objetivo seria manter a Argentina com preços baixos, como haviam prometido aos poderes estrangeiros, incluindo o FMI e Elon Musk. A intenção seria permitir a exploração dos recursos naturais do país, incluindo água potável, lítio, xisto e gás. Metaza alerta que essa situação representa um grande problema para toda a América Latina.

O político ainda expressou seu ponto de vista acerca da pretensão de Milei de adquirir capacidades excepcionais para tomar decisões sem a dependência dos outros órgãos de poder, uma das cláusulas propostas em debate no Congresso. "Isso representa um desrespeito aos outros órgãos da República, violando claramente a Constituição e transformando a Argentina em uma autocracia".

A matéria também entrevistou um profissional de serviço social que presta atendimento aos moradores em situação de rua pelo programa associado ao conselho dos direitos das crianças da Cidade Autônoma de Buenos Aires (Caba). Por questões de segurança, o profissional optou por não divulgar seu nome, pois teme retaliações devido aos recentes cortes na equipe e folha salarial do funcionalismo público - a equipe do programa de assistência foi reduzida de 60 para 38 pessoas. Além disso, ele também teme enfrentar consequências indesejadas, tendo em vista que Jorge Macri - primo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), que faz parte do grupo de apoio ao governo Milei - governa atualmente na capital.

Antes de Milei assumir, já era evidente que a situação das famílias em situação de rua em Buenos Aires era caótica. Um exemplo dado por ele é que o governo da cidade oferece um subsídio habitacional que cobre menos da metade do valor diário de um hotel extremamente precário. Além disso, a alta inflacionária que se instalou desde a chegada de Milei ao poder tornou praticamente impossível que um sem-teto possa abandonar a rua. A inflação na Argentina chegou a 211% no final de 2023, a mais alta em mais de 30 anos e a maior do mundo.

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