Justiça Social: palavras sobre a Argentina

Argentina

Gilmar Ferreira Mendes é um doutor em Direito pela Universidade de Münster, na Alemanha. Atualmente, ele é professor no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), onde também ocupa o posto de diretor do Centro Hans Kelsen de Estudos sobre a Jurisdição Constitucional. Além disso, Mendes é ministro do Supremo Tribunal Federal.

Paulo Sávio Nogueira Peixoto Maia é o responsável pela coordenação-executiva do Centro Hans Kelsen de Estudos sobre a Jurisdição Constitucional, em atuação pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). O profissional possui mestrado na UnB, é doutorando pela USP e atua como advogado.

No World Economic Forum em Davos, no dia 17 de janeiro, o presidente argentino fez um discurso durante 20 minutos. Em suas mais de 3.600 palavras, ele mencionou “justiça social” três vezes. Ele claramente negou que esse princípio possa levar a igualdade de oportunidades e modelos equitativos de distribuição de bens e direitos. Desde 1983, nenhum dos presidentes eleitos pelos cidadãos rejeitou a justiça social. Na verdade, muitos, incluindo Raúl Afonsín, Néstor Kirchner, Cristina Fernández de Kirchner e até mesmo Carlos Menem, que governou com uma postura autocrática, falavam de igualdade em suas aparições públicas, embora nem sempre cumprissem suas promessas.

Na condução atual do processo constitucional pelo presidente, há uma notícia triste: a completa negação e promoção da desnaturalização da justiça social. Em outras palavras, o presidente está negando a ideia de justiça social que é o cerne do planejamento estatal programado pela Constituição Federal desde o início do processo de paz.

, é conhecido por sua longa trajetória na área acadêmica. Ele tem sido um professor renomado e reconhecido internacionalmente por suas contribuições notáveis em pesquisas na sua área de atuação. Além disso, ele é autor de vários livros de grande relevância no mundo acadêmico. Sua vasta experiência tem sido um grande diferencial em sua carreira e atuado como um exemplo inspirador para futuros estudiosos da área.

Na literatura, a ideia de justiça social surgiu no século XIX, que provavelmente foi elaborada por Luigi Taparelli em seu Ensaio Teórico de Direito Natural Fundamentado nos Fatos. A ideia foi fortalecida e ampliada no século seguinte, especialmente com a inclusão na Constituição Mexicana de 1917. É importante mencionar que, em 1931, a Encíclica Quadragesimo Anno articulou explicitamente a formulação concreta da ideia: "Cada um deve ter sua parte nos bens materiais e é importante que sua distribuição seja guiada pelo bem comum e justiça social. Hoje, em vista da clara discrepância entre o pequeno número de ultra-ricos e a incontável multidão de pobres, ninguém em sã consciência pode negar os graves inconvenientes da atual distribuição de riqueza "[1].

Muitas Constituições ao redor do mundo buscam garantir a igualdade no acesso a direitos e bens sociais, desenvolvendo modelos jurídicos de justiça social. Um exemplo é o artigo 3º da Constituição italiana de 1948, que estabelece que cabe ao governo remover obstáculos sociais e econômicos que limitam a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedindo o pleno desenvolvimento humano. A Constituição Argentina de 1949 e a Constituição Brasileira de 1988 também contêm determinações importantes sobre justiça social. O filósofo Norberto Bobbio enfatizou que a igualdade entre os homens é essencial para alcançar objetivos econômicos e satisfazer as necessidades dos menos favorecidos. Por isso, as Constituições dos Estados fundamentam-se em princípios de justiça distributiva para ajudar aqueles que têm menos recursos.

Atualmente, a Constituição Federal da Argentina estabelece a justiça social como um dos principais pilares de seu texto, conforme sua redação reformulada em 1994. Com base no objetivo de assegurar o bem-estar geral de todos os cidadãos (e não apenas de uma elite), mencionado no Preâmbulo, a justiça social é imprescindível para garantir os direitos fundamentais e a dignidade humana, conforme determinado pelo artigo 75, inciso 19 da Constituição. Desta forma, cabe ao Congresso, em sua tarefa legislativa, promover o desenvolvimento humano e o progresso econômico, sempre levando em conta a importância da justiça social.

Sendo assim, é imprescindível que todas as entidades federais, especialmente o presidente, ajam em conformidade com a obrigação constitucional e prossigam com esse "cumprimento". Qualquer negação ou rejeição dessa obrigação resultaria em uma séria violação da justiça social: uma abolição irracional e autoritária de um princípio fundamental do nosso documento constitucional. A Argentina é um Estado Governado por Direito, uma vez que isso é definido pelo poder estabelecido legalmente. Tanto as autoridades quanto todos os cidadãos devem observar com fidelidade a ordem legal, social e democrática estabelecida pela Constituição. As regras constitucionais não são meras promessas; devem ser cumpridas até as últimas consequências. O cumprimento dessas regras é exatamente o que vai distinguir a ordem de uma comunidade de cidadãos livres, iguais e unidos na busca da igualdade social. Todos os países desenvolvidos possuem uma Constituição escrita que estabelece a divisão ou separação de poderes. Embora nenhum documento constitucional seja exatamente igual a outro, em todos os Estados regidos por uma lei fundamental, as autoridades devem seguir os seus princípios e regras.

Caso o presidente da Argentina não concorde com a ideia de justiça social, seria necessário uma reforma na Constituição através do procedimento em uso desde 1853, para modificar seu conteúdo. A Constituição Federal é a base do sistema jurídico argentino e, enquanto não houver emendas aprovadas, negar sua validade por motivos ideológicos contradiz suas orientações. Isso evidencia uma postura claramente distante do que é prescrito de forma dogmática.

Há mais de trezentos anos, Giambattista Vico, em sua obra Direito Universal, já chamava a atenção para o fato de que o exercício do poder não deveria contrariar a razão, sob o risco de gerar deformidades jurídicas. Por isso, a justiça social se impõe como a razão fundamental da lei argentina, em um país onde metade da população vive em situação de pobreza ou vulnerabilidade (ou está prestes a se encontrar nessa condição). Aqueles que se recusam a aceitar ou negam o postulado constitucional da justiça social devem arcar com as consequências previstas na Constituição (em vigor desde 1853) para os diversos tipos de infrações e violações que ameaçam a ordem democrática estabelecida por ela.

[1] Observação dos Tradutores: Utilizou-se a versão em português recomendada pela Santa Sé para a Carta Encíclica intitulada Quadragesimo Anno, emitida em 1931 pelo Papa Pio XI.

Nós, os representantes do povo da Nação Argentina, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte de acordo com os acordos prévios, com o objetivo de fortalecer a coesão nacional, consolidar a paz interna, garantir a defesa coletiva, promover o bem-estar geral e a cultura nacional e garantir a liberdade para nós, nossos descendentes e todos aqueles que queiram viver no solo argentino. Confirmamos nossa firme decisão de criar uma nação justa socialmente, economicamente prospera e politicamente soberana. Com a proteção divina como fonte de razão e justiça, nós promulgamos esta constituição para a Nação Argentina como um todo.

O Artigo 75 estabelece que compete ao Congresso diversas atribuições, incluindo a promoção do desenvolvimento humano, o avanço econômico com equidade social, o aumento da produtividade da economia nacional, a criação de empregos, a formação profissional de trabalhadores, a proteção do valor da moeda e a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a sua divulgação e aplicação.

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